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terça-feira, 17 de outubro de 2017

MPT recomenda revogação imediata da portaria que modifica conceito de trabalho escravo


O Ministério Público do Trabalho (MPT) criticou a publicação de uma portaria Nº 1129/2017 do Ministério do Trabalho, divulgada nesta segunda-feira (16) ,que modifica o conceito de trabalho escravo e traz novas regras sobre a publicação da Lista Suja.  O MPT com o Ministério Público Federal (MPF) vai recomendar a revogação imediata da portaria que dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo. 
Além disso, a portaria diz que a divulgação da Lista Suja será feita somente por determinação expressa do ministro do Trabalho, o que antes era feito pela área técnica do ministério.
O procurador-geral do Trabalho em exercício, Luiz Eduardo Guimarães Bojart,  alertou que a portaria  descontroi a imagem de compromisso no combate ao trabalho escravo conquistada internacionalmente pelo Brasil nos últimos anos.
“Ela reverte a expectativa para a construção de uma sociedade justa,  digna e engajada com o trabalho decente. Vale reafirmar que o  bom empresário não usa o trabalho escravo. A portaria atende apenas uma parcela pouca representativa do empresariado” disse o procurador.
Para o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, a portaria viola tanto a legislação nacional quanto compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
“O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da OIT” afirma Tiago Muniz.
Informações do MPT. 
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

83% dos brasileiros acham que pessoas comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção


Pessoa recusa dinheiroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption83% dos brasileiros acham que pessoas comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção

Apesar de estarem divididos em relação aos esforços do governo para combater a corrupção, os brasileiros parecem cada vez mais convencidos de que podem ajudar a resolver o problema que consome recursos públicos, interfere no crescimento econômico e abala a imagem internacional do país.
Pesquisa da Transparência Internacional divulgada nesta segunda-feira indica que 83% dos brasileiros acreditam que pessoas comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção. É o maior percentual da pesquisa feita em 20 países da América Latina. Logo abaixo aparecem Costa Rica e Paraguai, ambos com 82%.
Em contrapartida, 56% dos brasileiros acham que o governo não está fazendo um bom trabalho para sanar o problema.
O Brasil também atinge a maior taxa na América Latina e Caribe no empenho para levar adiante um caso de corrupção: 71% dos entrevistados dizem que passariam um dia num tribunal para relatar casos de suborno. Depois do Brasil, estão Uruguai (70%) e Costa Rica (66%).
Os mesmos três países - Uruguai, Costa Rica e Brasil - aparecem entre os três que mais concordam com a frase: "se eu testemunhasse um caso de corrupção, eu me sentiria obrigado a reportá-lo".

Impeachment

O levantamento foi feito com 22.302 pessoas entre maio e dezembro de 2016.
No Brasil, o período em que a pesquisa foi feita coincidiu com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foram 1.204 entrevistados entre 21 de maio de 2016 e 10 de junho de 2016.
Apesar de admitir que o clima daquele momento possa ter influenciado as respostas dos entrevistados, Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional no Brasil, afirma que a pesquisa levanta pontos positivos e importantes no combate à corrupção.
"Quando a pesquisa foi feita tinha protesto e pessoas nas ruas, pode ter um viés sim. Mas, por mais que o papel de combater a corrupção seja dos órgãos públicos, em nenhum lugar do mundo essa luta não prosperou sem o envolvimento da sociedade", observa Angélico.

Coragem


Algemas sobre notas de dinheiroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionUm terço dos que denunciaram casos de corrupção sofreram retaliação, diz Transparência Internacional

O levantamento assinala que relatar corrupção é um ato que exige coragem na América Latina porque 28% dos que denunciaram suborno dizem ter sofrido retaliações.
Ainda de acordo com a pesquisa, a propina é um dos tipos de corrupção mais experimentados pelos latino americanos. A Transparência Internacional estima que 90 milhões de pessoas na região já pagaram propina para ter acesso a serviços públicos básicos, como saúde e educação.
O Brasil, nesse quesito, aparece como exceção. Segundo o estudo, o brasileiro é o que menos paga propina para ter acesso a serviços públicos e é o mais disposto a denunciar a prática.
Ainda assim, 78% dos entrevistados disseram que a corrupção aumentou - na frente do Brasil nesse quesito, apenas Venezuela (87%), Chile (80%) e Peru (79%).

Grande e pequena corrupção

"É muito importante diferenciar a grande corrupção da pequena. Elas têm dinâmicas diferentes e tudo indica que não acontecem na mesma proporção no Brasil. Aqui a grande parece ser sistêmica e a pequena não", explica Fabiano Angélico.
O consultor da Transparência Internacional se refere à corrupção chamada de rua ou de balcão. É, por exemplo, o dinheiro pago ao policial para se livrar de uma multa, ao médico para ser atendido num hospital público ou a um diretor de escola para conseguir matricular uma criança.
Ao tentar medir a "pequena corrupção", que incluiu situações como as citadas acima, a Transparência Internacional contabilizou que apenas 11% dos brasileiros declararam ter pago propina nos 12 últimos meses antes da pesquisa para ter acesso a serviços públicos.
"Apesar de ser o menor da América Latina, esse número é alto se comparado aos países escandinavos", diz Angélico, emendando que "11% não é um número bom nem desejado".

Homem entrega dinheiro a outroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionFabiano Angélico: 'A pequena corrupção não parece ser sistêmica no Brasil, ao contrário da grande corrupção que envolve o abuso dos mais altos níveis de poder'

Delator

Apesar de a pesquisa indicar que o brasileiro apoia quem denuncia a corrupção, Angélico diz que ainda falta ao país uma legislação que proteja delatores.
"Corrupção acontece sempre no escuro e é difícil desvendá-la se não houver um denunciante", observa.
Ele conta que quando o Congresso discutia o pacote de medidas contra corrupção, tentou-se elaborar um texto com direitos e deveres para denunciantes. Congressistas, contudo, rejeitaram a proposta.
"A pesquisa mostra que as pessoas estão dispostas a reportar corrupção e também acreditam em instituições de controle a ponto de gastar um dia num tribunal para relatar casos de suborno".
Professor Edgar Bom Jardim - PE

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Protesto pelo uso medicinal de derivados da maconha ocorreu durante debate sobre gratificações do Pacto Pela Vida

Óleo de maconha é feito de forma natural e usado para reduzir crises e amenizar dor / Foto: Wilson Maranhão/Ascom Edilson Silva
Óleo de maconha é feito de forma natural e usado para reduzir crises e amenizar dor
Foto: Wilson Maranhão/Ascom Edilson Silva
Da Editoria de Política

Em um protesto em defesa do uso farmacêutico de derivados de cannabis, um grupo de mães deu óleo de maconha para os filhos durante uma audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Dez crianças portadoras de doenças raras receberam o produto, que é feito de forma natural e usado para reduzir crises e amenizar a dor.
A manifestação ocorreu durante um debate sobre a proposta de gratificação de policiais civis e militares. Uma emenda do deputado Joel da Harpa (Podemos) incluía a maconha no rol de drogas cuja apreensão permite o recebimento do benefício, como a cocaína e o crack. Além das mães, um médico e representantes de movimentos sociais também se manifestaram contrários à gratificação para apreensão da substância.
Ao final do debate, o próprio Joel se comprometeu a discutir a revisão da proposta com os demais parlamentares, apesar de sustentar que o tráfico tem papel central na crise de segurança que o Estado atravessa. Ele ressaltou que é preciso criar mecanismos para punir os traficantes que não mirem os usuários. "Se fosse eu no lugar de vocês, faria a mesma coisa. Plantaria também", afirmou para as mães.

SEM ADOLESCENTES

Relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Antônio Moraes (PSDB) disse que não incluir no texto a emenda de Joel. Responsável por convocar o debate, o deputado Edilson Silva considerou a posição de Joel uma vitória.
Mais cedo, o governo do Estado também havia anunciado, por meio de nota, a retirada de outro trecho polêmico da proposta, o que incluía a detenção de adolescentes em conflito com a lei entre as medidas que poderiam servir para a gratificação.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

terça-feira, 26 de setembro de 2017

"Redução da maioridade penal é mero capricho ideológico"


De volta à pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a redução da maioridade penal será discutida nesta quarta-feira 28. Originalmente proposta pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), hoje ministro das Relações Exteriores, a PEC 33/2012 previa, para menores entre 16 e 18 anos que cometeram crimes graves, punição pelo Código Penal e não pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Relator da matéria, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentou um substitutivo que retira a "inimputabilidade penal" de menores que cometam, além de crimes hediondos, homicídio doloso, lesão seguida de morte e reincidência em roubo qualificado. Ao contrário do que previa a proposta original, o relator retirou da lista o crime de tráfico de drogas. 
O retorno do debate deveria deixar a sociedade em alerta, afirma José Gregori, fundador do PSDB, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Para Gregori, a PEC representa apenas a defesa de uma bandeira ideológica, pois os argumentos proferidos pelos defensores não possuem base na realidade, tendo em vista que não há nenhum dado científico a comprovar benefícios da medida. 
Em entrevista a CartaCapital, Gregori aponta a ineficiência do debate e esclarece que a aprovação da PEC não representa avanços positivos para o Brasil, pois se mostra apenas uma política "punitivista". 
CartaCapital: Como o senhor enxerga a redução da maioridade penal?
José Gregori: Sou historicamente contra. O que se conseguiu com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com relação à maioridade penal é um grande avanço. Não existe razão em dizer que a diminuição da violência ocorrerá caso reduza. As pessoas que defendem desejam apenas a penalização, pois a diminuição da idade é aleatória. Por que 16 anos? Não existe nenhum dado científico que embase isso.
A redução dará para a sociedade a falsa impressão de que esse problema é uma questão penal, quando na realidade não é. Existem outros componentes que precisamos devotar mais atenção, como a educação, a saúde e a responsabilidade paterna. Mexer na lei dá a sensação de que o problema será resolvido, quando na verdade a mudança é apenas uma tendência histórica brasileira que nunca deu certo.
CC: Depois de mais de um ano, o Senado voltou a pautar o projeto da redução da maioridade penal. Como o senhor vê essa iniciativa?
JG: Existe uma corrente ideológica no Brasil, autointitulada de direita, que precisa defender certas bandeiras que funcionam como definidores de uma posição ideológica. Um desses itens é a redução da maioridade penal, que é um mero capricho ideológico.
Na verdade esses defensores nunca apresentaram argumentos sólidos que comprovasse a diminuição da situação de violência no Brasil. Por outro lado, aqueles que são contra apresentam uma ofensiva esclarecedora.
CC: O senhor avalia que a aproximação do período eleitoral pode influenciar esse debate?
JG: Hoje, o pensamento gira em torno da ideia de que se tem um governo de direita, e por isso é necessário defender essa pauta por estar próxima à ideologia. Na primeira tentativa, quando tinham a liderança do Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, ele imputou a ideia que esta bandeira estava diretamente relacionada à direita. Agora, com ele preso e com o atual governo, este item volta a ser discutido pela mera relação com o campo conservador.  
CC: Pesquisas indicam que boa parte da população é favorável a punições mais severas para os menores. A que o senhor atribui isso?
JG: A população pensa que o menor infrator não sofre nenhum tipo de consequência à sua liberdade. Pensam que não há nenhum tipo de punição quando na verdade temos, por exemplo, a Fundação Casa lotada.
Quando esta criança comete um crime, passa por tratamentos sérios com agentes de saúde e do trabalho para atingir algum nível de recuperação. Mas essa verdade não é divulgada para a população, então as pessoas supõem que o menor infrator no Brasil não está sujeito a nenhuma consequência quando na verdade está.
Não é um problema simples, pois envolve estrutura familiar, envolve questões sérias de desigualdade social. Mas não é com a mudança do marco legal da menoridade que conseguiremos resolver a situação.
CC: O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB) prevê uma lista de crimes nos quais o Judiciário poderá desconsiderar a “inimputabilidade penal”. O resultado será a prisão de pessoas entre 16 a 18 anos. Quais as repercussões dessa medida?
JG: Eles passarão a ter o tratamento de uma pessoa que irá para a prisão, que no caso brasileiro tem como função principal afastar o indivíduo da sociedade, e não recuperá-lo. Ou seja, vai se imputar a um menor de idade com condições de recuperação a identidade de prisioneiro, o que leva a aposta da recuperação a praticamente zero.
Então, não há vantagem pra sociedade a não ser uma vantagem punitiva. No caso brasileiro, a insistência é ainda uma questão ideológica, não há nenhum benefício na luta contra a violência no País.
Carta Capital
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Medieval, absurda e inconstitucional: sobre a decisão que permitiu a “cura gay”


Em decisão liminar, o juiz Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília afirmou a validade da Resolução n.º 01/1999, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe a consideração da homossexualidade como doença, desvio psicológico, perversão e, em suma, de qualquer forma que patologize a orientação sexual direcionada a pessoas do mesmo gênero, desde que o CFP a interprete de forma a não proibir “terapias” (sic) que visem a “reorientação sexual” [de homossexuais e bissexuais egodistônicos, obviamente, já que heterossexuais isso não buscam]. Em suas palavras, impôs ao CFP que não interprete a Resolução 01/1999 “de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento de (re)orientação sexual”(sic), supostamente como decorrência da “liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia do C.F.P”.
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Ou seja, atribuiu à Resolução uma interpretação conforme a Constituição, para considerá-la constitucional desde que interpretada como não proibindo o tratamento da homossexualidade e da bissexualidade egodistônicos, e no específico sentido de [supostamente] não proibir as chamadas “terapias” de “reorientação sexual” (sic), para que a pessoa que se identifique como homossexual ou bissexual possa ser “tratada” (sic) para se tornar heterossexual. Embora a decisão liminar não fale em termos tão peremptórios sobre “cura gay” (sic), essa é a consequência prática de sua determinação. Ação esta movida, entre outros, por Rozangela Justino, a qual sofreu pena de censura pelo CFP, precisamente por propagar a suposta possibilidade de se mudar a orientação sexual das pessoas, por “terapia” psicológica[1].
Como visto, embora divulgada, por vezes, como uma decisão que manteve a validade da Resolução CFP 01/1999, na prática referida decisão liminar praticamente torna a resolução verdadeira letra morta. Ora, referida resolução foi aprovada poucos anos depois da despatologização da homossexualidade e da bissexualidade pela Organização Mundial de Saúde, a qual, desde a Classificação Internacional de Doenças (CID) n.º 10, de 1990, afirma que “a orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno”. O intuito da Resolução, desde sempre, foi proibir psicólogos de patologizarem orientações sexuais distintas da heterossexualidade (logo, homossexualidade, bissexualidade[2] e assexualidade).
Nesse sentido, apesar da decisão, ao enunciar suas premissas, afirmar que “a homossexualidade constitui uma variação natural da sexualidade humana, não podendo ser, portanto, considerada como condição patológica” e que o Projeto de Lei 4.931/2016 merece críticas, ao aparentemente buscar equiparar a homossexualidade a um transtorno da sexualidade, entra em contradição o Juízo ao admitir que não se poderia proibir psicólogos(as) de realizaratendimento relacionado à reorientação sexual[3] das pessoas não-heterossexuais. Isso porque tal postura simplesmente patologiza as orientações sexuais que se quer permitir a “reorientação sexual” (sic). Do contrário, por que razão se admitiria que um(a) psicólogo(a) poderia fornecer terapia voltada à “reorientação sexual” da pessoa homo ou bissexual?
Embora a decisão liminar não fale em termos tão peremptórios sobre “cura gay” (sic), essa é a consequência prática de sua determinação. Foto: Agência Brasil
Nem se argumente que a OMS considerar a chamada “orientação sexual egodistônica” uma doença permitiria tal compreensão esposada pelo Juízo da 14ª Vara Federal do Distrito Federal. A egodistonia é considerada uma patologia por força do sofrimento subjetivo que essa ausência de sintonia entre a orientação sexual “real” da pessoa (tal qual ela a sente, independente de vontade) e a orientação sexual “desejada” pela pessoa, ou seja, aquela que ela gostaria de ter. Ora, a pessoa tem sofrimento subjetivo não por conta de sua orientação sexual (homoafetiva ou biafetiva), mas em razão do preconceito social homofóbico/bifóbico que sofre em razão de sua orientação sexual.
Em outras palavras: homossexuais e bissexuais não sofrem em razão de sua homossexualidade ou bissexualidade, sofrem em razão do notório preconceito social que sofrem por não serem heterossexuais, em razão do ideológico heterossexismo social predominante, que prega a heterossexualidade como única orientação sexual digna (ou “mais digna”) de ser vivida (o mesmo vale para pessoas transgênero, relativamente às pessoas cisgênero e ao cissexismo social, diga-se de passagem[4]).
Como costumo sempre dizer, a egodistonia se cura com a egosintonia, e essa é a correta posição do CFP. Ora, considerando que a homossexualidade e a bissexualidade não são doenças, desvios psicológicos, perversões sexuais nem nada do gênero, não podem ser objeto de “cura”. Não se cura aquilo que não é doença, logo, não se pode permitir “tratamento psicológico” que vise “reorientação sexual” se “a orientação sexual por si não pode ser vista como um transtorno” (cf. OMS).
A pretensão de permitir a “reorientação sexual” (sic) via terapia psicológica é tão absurda quanto pretender admitir terapia psicológica de “reorientação” para canhotos se tornarem destros. O exemplo só é inusitado para quem é jovem e não tem conhecimento histórico: as demonizações sociais a canhotos são fatos notórios na História e pretendia-se impor que escrevessem com a mão direita, mesmo isso não lhes sendo natural/espontâneo. Palmatórias eram usadas para tal fim nas escolas. Para se concordar com tal decisão, por coerência, é preciso, igualmente, considerar igualmente “válido” que um “canhoto egodistônico”, que queira ser destro, possa vir a receber tratamento psicológico com a finalidade de se tornar destro, o que seria um absurdo…Será que Rozangela Justino, demais integrantes do polo ativo de tal ação e o juiz que proferiu tal decisão esposariam tal entendimento?
A posição do Conselho Federal de Psicologia sempre foi clara contra as infundadas acusações de que estaria querendo “proibir” psicólogos de atenderem pacientes homossexuais e bissexuais que procuram auxílio psicológico. Ele sempre explicou que não há proibição a profissional da Psicologia de atender pacientes homo e bissexuais – a proibição se refere à patologização das orientações sexuais não-heterossexuais. Ou seja, acrescento, considerando que homossexualidade e bissexualidade não são doenças, o psicólogo deve entender a razão do sofrimento da pessoa homossexual ou bissexual e ajudá-la a aceitar sua verdadeira orientação sexual, e não pretender mudá-la.
Lembre-se, ainda, que muitos estudos já foram feitos sobre tanto a ineficácia dessas pseudo “terapias”, por não atingirem o fim desejado, de “mudança de orientação sexual” (sic), quanto seus efeitos perniciosos sobre as vítimas (“pacientes”) homossexuais e bissexuais, causando-lhes traumas e depressões (cf. infra). Não há “ex-gay” (sic), há pessoa que reprime sua verdadeira orientação sexual, por pressão social (familiar, religiosa etc) – como demonstra o fenômeno do “ex-ex-gay”, ou seja, aquele que é homossexual, dizia-se “ex-gay”, mas teve uma “recaída”, depois outra, depois outra… até se conscientizar de que sua orientação sexual homoafetiva (ou biafetiva) não é passível de mudança. Mas todo esse processo só serve para aumentar os traumas e depressões sofridos pela vítima homossexual ou bissexual; sofrimento este que lhe vitimiza em razão do preconceito social homofóbico e bifóbico.
Nesse sentido, vide manifestação da Associação Americana de Psicologia(íntegra do estudo aqui):
Em um relatório baseado em dois anos de pesquisas, os 150 profissionais afiliados manifestaram firme oposição à chamada “terapia reparadora”, que busca a mudança de orientação sexual. O texto afirma que não há evidência sólida de que essa mudança seja possível. Alguns estudos, o relatório ressalta, sugerem até mesmo que esse tipo de esforço pode induzir à depressão e a tendências suicidas. “Quem atende deve ajudar seus pacientes por meio de terapias (…) que envolvam aceitação, apoio e exploração de identidade, sem imposição de uma identidade específica, diz o documento. A APA já havia criticado as terapia de mudança de orientação sexual no passado, mas uma força-tarefa de seis membros da entidade, liderada por Judith Glassgold, de New Jersey, conferiu mais peso a essa posição, analisando 83 estudos sobre orientação sexual conduzidos desde 1960. As conclusões desse comitê revisor foram endossadas oficialmente pela direção da entidade. O relatório trata com detalhes a questão de como terapeutas devem lidar com pacientes gays que lutam para permanecer fiéis a crenças religiosas que desaprovem a homossexualidade. Segundo Judith, a esperança é de que o documento ajude a desarmar o debate polarizado entre religiosos conservadores que creem na possibilidade de mudar a orientação sexual e os muitos profissionais da área de saúde mental que rejeitam essa opção. “Os dois lados precisam se educar melhor”, disse a especialista. “Os psicoterapeutas religiosos precisam abrir seus olhos para os potenciais aspectos positivos de ser gay ou lésbica. Terapeutas não religiosos precisam reconhecer que algumas pessoas podem dar preferência a sua religião, em detrimento de sua sexualidade.”[5] (grifos nossos)
Ainda sobre a ineficácia dessas pseudo “terapias”, lembre-se que em 2013 o grupo “Exodus”, que visava a “cura gay”, fechou as portas pedindo desculpas às suas vítimas pelos danos psicológicos que lhes causaram com a promessa de “reorientação sexual” (para usar expressão deste processo, ora criticado). Dano psicológico decorrente de “anos de sofrimento indevido e julgamento nas mãos da organização e da igreja como um todo”, destacou, na época, a entidade.
Anote-se, por oportuno, que em sentido diverso já decidiu a Justiça Federal carioca e o Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Com efeito, na ação civil pública n.º 18794-17.2011.4.02.5101, decidiu o E. TRF/2 que:
Não se trata, pelo que se pode perceber, de imposição de restrição em desconformidade com os ditames da mencionada Lei nº 5.766/71, mas apenas de um balizamento de atuação profissional, de tal forma a que seja vedada a promoção de quaisquer tipos de ações que impliquem, direta ou indiretamente, o reforço de uma pecha culturalmente sedimentada na sociedade no sentido de que a homossexualidade consiste em doença, distúrbio, transtorno ou perversão. Cabe ao psicólogo, e isso a Resolução lhe assegura, atender o indivíduo que a ele se dirige, seja ele homossexual ou não. Contudo, propalar a realização de tratamento e cura da homossexualidade contribui com a patologização da orientação sexual do indivíduo, o que não se coaduna até mesmo com o teor da nota constante na CID-10 F.66, segundo a qual “A orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno”Ora, se a comunidade científica internacional já concluiu que a homossexualidade não é uma doença, o que culminou, em 1990, na modificação da Tabela CID pela Organização Mundial de Saúde, com a exclusão da homossexualidade do rol de patologias ali indicadas, cabe indagar em que medida poderíamos reputar como ilegal ou inconstitucional uma Resolução que, em seu art. 3º, caput, harmonizando-se com os estudos científicos que culminaram no entendimento antes mencionado, determina que profissionais de psicologia não exerçam ações que possam favorecer a “patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas…”, ou ainda, que adotem ações coercitivas tendentes “…a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”? Sob esta perspectiva, a irresignação não se sustenta. Impende registrar que o espaço terapêutico é, primordialmente, um lugar destinado à escuta e ao acolhimento do sujeito em sofrimento, que, via de regra, diante da impossibilidade de solucionar, de per si, seus dilemas existenciais, busca o auxílio de um profissional da área de psicologia para alcançar o que podemos denominar de bem estar psíquico. Diferentemente da realidade proposta pelos diversos autores de manuais de autoajuda, que, de forma costumeira, prometem, indistintamente, soluções rápidas e infalíveis para a “cura” das angústias dos consumidores desta literatura, têm os processos terapêuticos, antes de tudo, um modo singular de abordagem e trato do sujeito, permitindo que este, através da fala, e com a indispensável participação do Psicólogo como interlocutor, reorganize seus pensamentos, identifique com razoável clareza os seus problemas, reflita sobre os mesmos, perceba os fatores efetivamente causadores de suas angústias e sofrimentos e, assim, seja capaz de elaborar estratégias para uma vida melhor. Visto também sob este prisma, evidenciam-se a justeza, a adequação e a razoabilidade do ato normativo vergastado, pois, ao que se infere dos autos, preconiza o Conselho Federal de Psicologia que, por razões técnicas e éticas, cabe ao Psicólogo, com seu mister, fortalecer o entendimento de que todos são livres para viver sua sexualidade, e não propor, a priori, o que se convencionou chamar de “cura gay”, contribuindo com a manutenção de preconceitos e estigmas seculares contra pessoas em razão apenas da sua orientação sexual.[6] (grifo nosso)
Nessa decisão, aliás, cita-se a posição da então Presidente do CFP, Dra. Ana Maria Pereira Lopes, que ratifica o supra exposto, sobre a egodistonia se curar com a egosintonia, razão pela qual a longa transcrição[7]:
2. Como a palavra sugere, egodistônico é o sentimento de não estar em sintonia consigo mesmo. Entretanto, os motivos para esta ‘distonia’ podem ser múltiplos e seria muito redutor atribuí-lo somente à sexualidade. O que a clínica nos informa é que, muitas vezes, o homossexual sofre de ‘distonia’ por problemas de pertença social e moral junto às outras pessoas, próximas ou distantes, mas sobretudo junto a si mesmo. Como sabemos, os valores sociais fazem parte das identificações constitutivas do Ego. Dentre estas identificações, a chamada ‘orientação heterossexual’ é altamente valorizada (FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. 6ª ed.). Toda outra forma é vista como algo ‘sócio-distônico’. Muitas vezes, o sujeito homossexual sofre devido à introjeção desta homofobia social, pois desde muito cedo ele aprende que sua orientação sexual é ‘sócio-distônica’. E é aí que procura ajuda. Ou seja, o sofrimento psíquico do homossexual vem da internalização da desvalorização social-moral: é pelo preconceito, e não por transtorno, disfunção ou pela homossexualidade em si, que o indivíduo homossexual sofre. Assim, do ponto de vista ético, o que deve estar em foco são os mecanismos de sofrimento do sujeito, para que ele possa identificar suas origens e combatê-lo.
3. Cabe, pois, ao psicólogo escutar e ‘tratar’ sujeitos com sofrimentos das mais diversas ordens que buscam estabelecer uma relação em sintonia consigo próprio, qualquer que seja a sua orientação sexual. Ou seja, o sujeito procura ajuda para mudar, para parar de sofrer. Em certos sujeitos homossexuais, a homofobia é de tal forma introjetada, que a vida fica insuportável, o que o leva a fazer qualquer coisa para mudar. A mais comum talvez seja adaptar-se aos valores do imaginário ocidental: casar-se e ter filhos, o que pode diminuir temporariamente o sofrimento, mas não resolve a questão.
4. Não cabe aos psicólogos a criação de ‘grupos de apoio’ para os que querem ‘deixar’ a homossexualidade, sob pena de aumentar ainda mais o preconceito manifesto, sem acabar com o sofrimento psíquico. Independentemente de sua linha de trabalho, o psicoterapeuta deve saber que valorizações negativas comprometem todo o processo terapêutico. Seja como for, e em qualquer linha teórico-clínica, a orientação sexual não implica nem em ‘disfunções’, nem em ‘transtornos’, logo, não há o que curar. Evidentemente, pode-se fazer uma discussão religiosa da questão, mas isto só pode ocorrer dentro de um debate religioso. Utilizar a religião para caucionar o debate científico é tão absurdo como, por exemplo, pedir ao padre, ao pastor, ao monge, explicações científicas para a fé! O processo psicoterapêutico, por definição, é isento de bases morais.
5. O psicólogo irá tratar de qualquer pessoa que o procure com orientação egodistônica, mas neste caso não irá apreciar a homossexualidade como patológica, assim como a heterossexualidade e a bissexualidade, segundo capítulo F66 da CID 10. Pois a orientação egodistônica, que se dá em função de transtornos psicológicos e comportamentais associados à orientação sexual, é fruto de uma sociedade que em sua história de formação aprendeu a reprimir, oprimir e coagir. A psicologia entende que a sexualidade pode se apresentar de diversas formas, e deve-se considerar os fatores sócio-históricos que a condicionam.
6. O discurso da condição de cura, tal como preconizado pelo CID 10, é altamente discutível. Na maioria das vezes, observa-se coerção e imposição social que vai contra os princípios da livre expressão de várias outras formas de se viver a sexualidade humana, o que, em função da comparação, coloca os grupos que nela não se enquadram em categoria de inferioridade, quando na realidade não o são.
7. O exercício da Resolução nº CFP 001/1999, como várias cartas e declarações pelos direitos humanos, visa qualificar o trabalho profissional do psicólogo propiciando a inclusão de cidadãs e cidadãos homossexuais um atendimento psicológico sem vitimização ou preconceito. Cumpre salientar que o Código de Ética do psicólogo, no seu segundo princípio fundamental, defende a ‘eliminação de todas as formas de discriminação e violência’.
8. Por esta e outras razões expressas em documento anterior, como na própria resolução,atentamos para a proibição de reforçar ao paciente que a homossexualidade seria algo ruim ou mesmo doença, e que necessária de cura ou reversão, até mesmo porque toda a diversidade sexual humana deve ser considerada como expressão legítima dos sujeitos. A exclusão da diversidade sexual se dá por processos de higienização sócio-histórica, cultural e religiosa, na tendência de marginalizar os que estão fora dos padrões constituídos.
9. Conclusão: o psicólogo deve acolher o sujeito em sofrimento psíquico na sua demanda de ajuda, seja ela proveniente de sua orientação sexual egodistônica, ou outra qualquer. O que não significa que a mudança de orientação sexual seja o foco do trabalho. Deverá o psicólogo ter como princípio o respeito à livre orientação sexual dos indivíduos e apoiar a elaboração de formas de enfrentamento no lidar com as realidades sociais de maneira integrada. Isso porque a questão da orientação sexual, como expressão do direito humano, distancia-se radicalmente de conceitos de cura e doença. O objetivo terapêutico não será a reversão da homossexualidade porque isso não é uma demanda passível de tratamento, já que não se configura como distúrbio uo transtorno. O projeto terapêutico proposto estará direcionado para a felicidade e o bem-estar daqueles que nos procuram.
Em suma, a decisão que impôs ao Conselho Federal de Psicologia que não proíba “terapias” de “reorientação sexual” violou tanto o aspecto científico da questão (não se pode possibilitar a “cura” daquilo que não é “doença” e essa é a consequência lógica da permissão de “reorientação sexual” de homossexuais e bissexuais), bem como, ainda que sem intenção, possibilitou a ação de grupos fundamentalistas de promoverem o preconceito homofóbico e bifóbico, através do heterossexismo social, a saber, a ideologia que prega a heterossexualidade como única orientação sexual “digna” (ou a “mais digna”) de ser vivida.
Tal decisão nos remete à Idade Média, à era pré-iluminista, por ignorar por completo a Razão enquanto paradigma de razoabilidade. Decisão de efeitos discriminatórios que, à toda evidência, viola o art. 3º, I e IV, da CF/88, demanda a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e proíbe preconceitos e discriminações de quaisquer espécies (legitimados por essa decisão, não obstante, reitere-se, não se imaginar ter sido esta a intenção do magistrado prolator – mas os efeitos discriminatórios são tão inconstitucionais quanto a discriminação intencional, como conhecimentos mínimos de Direito Antidiscriminatório demonstram). Fico na expectativa de recurso do CFP contra dita decisão e sua pronta reforma pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Paulo Iotti é Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru (ITE). Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e em Direito Homoafetivo. Membro do GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero. Advogado e Professor Universitário.

[2] Parte do Movimento Social diferencia bissexualidade, enquanto atração afetivo-sexual indistinta apenas aos dois gêneros tradicionais (masculino e feminino), e pansexualidade, enquanto atração afetivo-sexual indistinta por pessoas de quaisquer gêneros e identidades de gêneros. Não concordamos com essa visão limitante da bissexualidade, mas, a se acolher essa perspectiva, então, obviamente, a pansexualidade encontra-se despatologizada pela OMS e pela Resolução CFP 01/1999.
[3] Trata-se do óbvio sentido à expressão, constante da decisão, que afirma que “Apenas alguns dispositivos, quando e se mal interpretados [ic], podem levar à equivocada hermenêutica no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizr qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual. Digo isso porque a Constituição, por meio dos já citados princípios constitucionais, garante a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da pessoa humana, inclusive sob o aspecto de sua sexualidade, valores esses que não podem ser desrespeitados por um ato normativo infraconstitucional, no caso, uma resolução editada pelo C.F.P” (grifo nosso).
[4] Discute a OMS atualmente a despatologização das identidades trans. Apoio tal medida. Trata-se de uma questão identitária, não uma patologia, consoante a doutrina da socióloga Berenice Bento. Ao passo que, considerando que a saúde não se limita à ausência de patologias, mas ao completo estado de bem-estar biológico, psicológico e social (cf. OMS), o bem-estar psicológico e social das pessoas trans continuará demandando seu atendimento pelo SUS, para fins de tratamento hormonal e cirúrgico visando a cirurgia de transgenitalização, ou somente tratamento hormonal, para aquelas e aqueles que não desejem a cirurgia (tema a ser desenvolvido em outro artigo).
[6] Para explicação da decisão e remessa à sua íntegra, vide: <http://site.cfp.org.br/resolucao-199-respeita-a-lei-a-dignidade-e-a-liberdade-profissional-conclui-trf2/> (acesso em 18.09.2017).
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

STF decide hoje se Janot pode denunciar Temer: entenda o que está em jogo

Michel Temer caminha à frente de Rodrigo Janot
Image captionAcusações da defesa de Temer contra o procurador-geral ganharam novo fôlego na semana passada | Foto: Agência Brasil
Depois de quatro anos no papel de acusador, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, conclui seu mandato à frente do Ministério Público Federal nesta semana tendo que se defender.
Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) se reúne para decidir se Janot é suspeito para investigar o presidente Michel Temer e se deve ficar impedido de apresentar nova denúncia contra ele, até que sejam concluídas as investigações sobre supostas ilegalidades na condução do acordo de delação premiada fechado com executivos da JBS.
As acusações da defesa de Temer contra o procurador-geral ganharam novo fôlego após a divulgação na semana passada de um "autogrampo" entre Joesley Batista, dono da JBS, e Ricardo Saud, um dos diretores do grupo. Na conversa, há indícios de que a delação premiada teria sido discutida com a PGR, por meio do ex-procurador da República Marcello Miller, antes mesmo da gravação da conversa entre Batista e Temer, o que seria ilegal.
Em reação, Janot disse na terça que "tantos são os fatos e tão escancaradamente comprovados, que a estratégia de defesa não pode ser outra senão tentar desconstituir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção".
Entenda o que pesa contra Janot e quais podem ser as consequências do julgamento para a esperada segunda denúncia contra Temer.
1) Possível ilegalidade do acordo de delação
A acusação mais grave contra Janot, levantada pela defesa de Temer, é que ele teria conhecimento de negociações dentro da PGR para acordo de delação com a JBS mesmo antes dos executivos do grupo gravarem autoridades, entre elas o presidente, no dia 17 de março.
Isso seria ilegal porque a procuradoria só pode realizar esse tipo de gravação com autorização do Supremo. Dessa forma, se ficar provado que a gravação foi realizada sob orientação da PGR, ela representaria um "flagrante forjado", nota o jurista Ives Gandra.
No pedido ao STF, o advogado de Temer, Antônio Claudio Mariz de Oliveira, sustenta que a conversa gravada acidentalmente entre Batista e Saud indica que Janot sabia "de uma relação" entre Miller e os delatores, "na qual houve uma negociação informal do acordo de delação tempos antes do início das tratativas oficiais".
STF durante julgamento
Image captionO Supremo Tribunal Federal se reúne nesta quarta-feira | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Miller chegou a integrar a defesa do grupo JBS logo após deixar o Ministério Público Federal, mas depois acabou demitido do escritório Trench Rossi Watanabe e agora é investigado por supostas interferência indevida no acordo de delação.
Além das acusações envolvendo a atuação de Miller, Mariz cita também o depoimento prestado por outro delator da JBS, Francisco de Assis e Silva, para sustentar que Janot já sabia das tratativas para um acordo de colaboração com a JBS. Nesse depoimento, Assis afirma ter ligado para o procurador da República Anselmo Lopes em 19 de fevereiro, avisando que Batista queria se tornar delator.
"Contudo, se o citado acordo de colaboração premiada somente foi assinado em 03 de maio de 2017, restou evidente, portanto, que o I. (Ilustríssimo) Procurador-Geral da República previamente sabia da intenção dos alcaguetes e os aconselhou, por si e por seus assessores, sobre como agir, inclusive sobre a clandestina gravação do Sr. Presidente da República por Joesley Batista no Palácio do Jaburu", argumenta o advogado, na questão de ordem apresentada ao STF na semana passada.
Janot nega que tivesse conhecimento da atuação de Miller e instaurou uma investigação contra ele. "O Ministério Público Federal atuou na mais absoluta boa fé para a celebração desse acordo. Se ficar provada qualquer ilicitude, o acordo de delação será rescindido. Eventual rescisão do acordo não invalida as provas até então oferecidas", disse o procurador-geral, na semana passada, quando veio à tona o "autogrampo".
2) Acusações de suspeição
Rodrigo Janot
Image captionO procurador-geral da República, Rodrigo Janot, conclui seu mandato nesta semana tendo que se defender | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O pedido se suspeição, apresentado em agosto, já citava a atuação "conflitante de Miller" para desacreditar atuação de Janot. Além disso, Mariz argumenta que o "açodamento" na condução da delação da JBS também seria indício da "ausência de imparcialidade" de Janot, ao por exemplo usar como prova contra o presidente a gravação de sua conversa com Batista sem realização de uma perícia.
Outro elemento que na visão da defesa indicaria suspeição do procurador-geral seria a decisão de "fatiar" as denúncias contra Temer em vez de apresentar uma única peça de acusação.
O ministro Edson Fachin chegou a recusar individualmente o pedido de Mariz, que agora recorre ao plenário do Supremo. O relator da Lava Jato no STF considerou que Janot tem "independência funcional" para formular acusações e que o fatiamento das denúncias não poderia ser motivo para suspeição "na medida em que cada apuração é marcada por amadurecimento em lapso temporal próprio".
3) Possíveis impactos do julgamento
Para juristas ouvidos pela BBC Brasil, é improvável que o STF aceite o pedido de suspeição contra Janot, ainda mais considerando que faltam poucos dias para que ele passe o cargo para sua sucessora, Raquel Dodge. Ela toma posse na segunda-feira.
"Acima da questão individual, você tem uma questão institucional-política. Acho difícil (o STF) abrir um precedente para que os réus julguem os procuradores suspeitos. Mesmo porque a função deles é suspeitar e investigar as pessoas", afirma Joaquim Falcão, Diretor da FGV Direito Rio.
Na sua avaliação, o fato de as investigações sobre a delação da JBS ainda estarem em curso também dificulta decisões do Supremo contra Janot.
"Um procurador-geral em fim de mandato, que atuou em casos polêmicos, fatos não claros (sobre o acordo de delação): é (uma discussão) muito além de uma questão pessoal, é uma questão institucional, e acredito que isso vai ser considerado", acrescentou.
Chuva na Praça dos Três Poderes
Image captionSupremo só poderá avaliar a abertura de processo contra o presidente se for autorizado por ampla maioria na Câmara | Foto: Agência Brasil
O advogado e professor de direito penal da USP Gustavo Badaró também não acredita que o STF vá declarar Janot suspeito, já que a Corte não tem jurisprudência de acatar pedidos como esse.
Quanto à solicitação para suspender a possibilidade do procurador-geral apresentar denúncias até o fim das investigações, Badaró diz que se trata de um pedido inédito. "Eu não conheço que o Supremo tenha um precedente que trate de uma cautelar (decisão dada em situação urgente) para impedir provisoriamente que alguém pratique um ato. Com isso ele (o advogado de Temer) tira um pouco o foco de uma questão jurídica e acho que joga a questão num patamar mais político", observa.
Mesmo que o STF decida em favor de Janot, no entanto, a tendência é que o julgamento abra espaço para os ministros discutirem a legalidade da delação da JBS, gerando desgaste para o procurador-geral. O ministro Gilmar Mendes tem sido especialmente crítico e deve estimular o debate, acredita Badaró.
Se não ficar impedido de apresentar uma nova denúncia, espera-se que Janot use a delação de Lúcio Funaro, tido como operador de propina do PMDB, para reforçar as acusações contra o presidente levantadas ne delação da JBS.
O presidente Michel Temer
Image caption'A defesa de Temer na Câmara hoje tem artilharia reforçada. O Janot de agora não é o Janot da primeira denúncia, ele está mais fragilizado', avalia Gustavo Badaró | Foto: Marcos Corrêa/PR
A expectativa é que a denúncia acuse Temer de obstrução de justiça, por supostamente ter estimulado a tentativa de compra do silêncio de Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e de formação de quadrilha, supostamente por operar amplo esquema de obtenção de propinas junto com parlamentares peemedebistas.
Se isso se confirmar, o Supremo só poderá avaliar a abertura de um processo contra o presidente se for autorizado por ampla maioria da Câmara. No início de agosto, os deputados rejeitaram o andamento da primeira denúncia, que acusava Temer de corrupção passiva.
"A defesa de Temer na Câmara hoje tem artilharia reforçada. O Janot de agora não é o Janot da primeira denúncia, ele está mais fragilizado", avalia Badaró.
"Ele entra fragilizado para fazer a denúncia se não tiver toda a apuração (sobre supostas ilegalidades da delação da JBS) concluída. Isso facilita a rejeição pela Câmara", acredita também Ives Gandra.
Professor Edgar Bom Jardim - PE