segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Temer pediu R$ 10 milhões à Odebrechet para custear a campanha do PMDB nas eleições de 2014.


Michel TemerImage copyrightAP
Image captionDelações da Odebrecht, julgamento de chapa Dilma-Temer no TSE, pressão das ruas, deterioração da economia e perda de apoio político podem abreviar gestão do peemedebista

Apesar de ter pouco tempo de vida, o governo Michel Temer já passa por sua maior prova de fogo.
O novo capítulo da crise que atinge em cheio a gestão do peemedebista foi escrito na última sexta-feira, com o vazamento da delação de Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht. Ele acusa Temer e vários de seus ministros de envolvimento em um esquema de repasse de recursos em troca de favores à empreiteira ─ o que os políticos negam.
No entanto, segundo a edição desta quarta-feira do jornal Folha de S. Paulo, o ex-presidente e herdeiro do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, teria confirmado o escopo das declarações a procuradores da Lava Jato.
De acordo com Melo Filho, Temer pediu R$ 10 milhões à Odebrechet para custear a campanha do PMDB nas eleições de 2014.
Em uma nota divulgada no fim de semana, o presidente nega as acusações e diz que as doações da Odebrecht ao PMDB foram legais e registradas no Tribunal Superior Eleitoral.
Analistas sugerem ser prematuro antecipar o fim do governo Temer. Contudo, segundo prevê a Constituição, se ele deixasse o cargo antes do dia 31 de dezembro deste ano (por renúncia ou cassação), haveria novas eleições. Depois disso, caberia ao Congresso eleger o novo presidente indiretamente.
Confira cinco ameaças que pairam sobre a gestão.

Sede da Odebrecht em São PauloImage copyrightREUTERS
Image captionVazamento do acordo de delação premiada de ex-executivo da Odebrecht estremeceu governo

1) Delações da Odebrecht

O vazamento do conteúdo do acordo de delação premiada de Melo Filho caiu como uma bomba no governo Temer.
Nele, o ex-executivo cita 51 políticos de 11 diferentes partidos. Sobre Temer, diz que o atual presidente pediu pessoalmente R$ 10 milhões a Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira, para as campanhas do PMDB em 2014. O nome do peemedebista é mencionado 48 vezes na delação.
Nesta quarta-feira, segundo informou o jornal Folha de S. Paulo, Marcelo Odebrecht, que também fechou acordo de delação premiada, confirmou o escopo das declarações de Melo Filho.
Temer negou "com veemência" as acusações.
"O presidente Michel Temer repudia com veemência as falsas acusações do senhor Cláudio Melo Filho. As doações feitas pela Construtora Odebrecht ao PMDB foram todas por transferência bancária e declaradas ao TSE. Não houve caixa 2, nem entrega em dinheiro a pedido do presidente", diz o comunicado divulgado pelo Palácio do Planalto também na sexta-feira.
Em carta enviada nesta segunda-feira ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Temer pediu rapidez nas investigações e classificou como "ilegítima" a divulgação de trechos vazados de acordos de delação.
"O fracionado ou porventura lento desenrolar de referidos procedimentos pré-processuais, a supostamente envolver múltiplos agentes políticos, funciona como elemento perturbador de uma série de áreas de interesse da União", disse.
Melo Filho também citou dois ministros da alta cúpula do governo e muito próximos ao presidente: Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco, secretário de Parcerias de Investimentos. Ex-ministros, como o senador Romero Jucá (ex-Planejamento) e Geddel Vieira Lima (ex-Secretaria de Governo) também são mencionados no material.
Nomes da alta cúpula do PMDB, partido de Temer, também foram citados, como o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o líder do partido na casa, o senador Eunício Oliveira. Todos negam irregularidades.
A delação de Melo Filho é apenas uma de 77 envolvendo executivos da Odebrecht. O acordo de leniência foi assinado pela empreiteira com os procuradores da Lava Jato no último dia 1º de dezembro.
Mas para que as delações sejam homologadas por Teori Zavascki, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator dos processos relacionados à operação na corte, os executivos precisam apresentar provas e prestar depoimentos para confirmar o que apresentaram de forma resumida na negociação.
Nos bastidores, aliados do governo Temer já discutem pedir a anulação da delação de Melo Filho, a exemplo do que ocorreu com a do ex-presidente da construtora OAS, Leo Pinheiro, que também vazou na imprensa.
Ao custo jurídico ─ se comprovada a irregularidade, o presidente poderia perder o cargo em última análise ─ soma-se, principalmente, o custo político, já que o governo pode não aguentar a pressão das ruas ou a erosão de sua base de apoio no Congresso.

Montagem de Michel Temer e Dilma RousseffImage copyrightAG. BRASIL/AG. PT
Image captionTSE deve julgar chapa Dilma-Temer no início do ano que vem

2) Julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE

O TSE deve julgar no começo do ano que vem a ação contra a chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014.
A ação é de autoria do PSDB. O partido defende que Dilma e Temer cometeram abuso de poder político e econômico e tiveram a campanha à reeleição abastecida com recursos desviados da Petrobras.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Herman Benjamin, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), relator do processo, afirmou que a apresentação do relatório-voto da ação deve acontecer em fevereiro.
A decisão sobre quando será apresentado o relatório-voto será anunciada nesta terça-feira.
Se julgar a ação procedente, o ministro também terá de decidir se cassa Dilma ou se cassa a chapa Dilma-Temer.
Mas o voto de Benjamin terá ainda de ser apreciado por seis outros ministros que compõem o plenário da corte, presidida por Gilmar Mendes, ministro do STF.

Protesto contra TemerImage copyrightEPA
Image captionSegundo Datafolha, 63% da população querem que Temer renuncie imediatamente para que eleições diretas sejam realizadas.

3) Pressão das ruas

Outro risco que tem o potencial de abreviar o governo Temer pode vir das ruas.
Mas isso dependerá de uma adesão mais ampla aos protestos contra o governo.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada nesta segunda-feira revelou que a rejeição ao presidente disparou.
Segundo o levantamento, 51% dos brasileiros consideram o governo de Temer "ruim" ou "péssima", frente a 31% em julho.
Já os que veem a gestão como "regular" somam 34%, uma queda em relação aos 42% da pesquisa anterior, quando o peemedebista ainda era presidente interino.
O índice dos que avaliam o governo como "ótimo" ou "bom" caiu de 14% para os atuais 10%. Não souberam opinar 5% dos entrevistados.
De acordo com o Datafolha, metade dos brasileiros veem Temer como autoritário e 58%, desonesto. Já 65% julgam o presidente como falso (65%), muito inteligente (63%) e defensor dos mais ricos (73%).
Em uma escala que vai de zero a dez, a nota média dada ao governo é de 3,6.
Além disso, 63% da população afirma querer que Temer renuncie imediatamente para que eleições diretas sejam realizadas.
A pesquisa foi feita antes dos novos detalhes da delação da Odebrecht envolvendo o peemedebista.
Em setembro, logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, milhares foram às ruas contra Temer e pediram novas eleições.
Já no fim do mês passado, as principais capitais do país registraram protestos contra a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do teto dos gastos, a anistia para o caixa dois eleitoral e o atual governo.
Na terça-feira, o Senado aprovou a PEC que congela os gastos federais pelos próximos 20 anos, por 53 votos a favor e 16 contra, em última votação na casa.
A proposta deverá ser promulgada em sessão do Congresso Nacional na quinta-feira. Com a promulgação, o texto passa a ter força de lei.
Durante e depois da votação, protestos foram registrados em São Paulo e em Brasília. Mais manifestações estão previstas para os próximos dias.

Real brasileiroImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionPIB brasileiro deve crescer apenas 0,7% em 2017, prevê mercado

4) Deterioração da economia

A recessão prolongada também vem testando a paciência dos brasileiros com Temer.
Segundo a mesma pesquisa do Datafolha, a população avalia negativamente as perspectivas da economia.
Nos últimos meses, a situação econômica do país piorou na opinião de 65% dos brasileiros e se manteve estável para 25%. Somente 9% disseram que houve melhora.
Para 66%, a inflação vai aumentar; 19% acreditam que ficará como está e 11% preveem queda.
Já 67% esperam por um crescimento do desemprego, enquanto 16% afirmaram que o índice vai diminuir e 14% que ficará estável.
Em relação ao poder de compra, 59% acreditam que vai cair, 20% que não vai mudar e 15% que aumentará.
O pessimismo é compartilhado pelo mercado.
Segundo um comunicado do banco Itaú Unibanco, "as reformas fiscais continuam a avançar, mas a incerteza política cresceu".
"A atividade econômica decepcionou negativamente, por isso reduzimos nossa expectativa do PIB para 2017. A inflação continua a cair, a taxa de câmbio permanece próxima ao equilíbrio e esperamos que o Banco Central acelere o ritmo de corte dos juros em janeiro", informou o banco em nota enviada à imprensa nesta segunda-feira.
No trimestre encerrado em setembro, o PIB (Produto Interno Bruto, ou a soma de riquezas produzidas pelo país) recuou 0,8% em relação aos três meses anteriores, a sétima queda consecutiva nessa comparação.
Já de acordo com o último boletim Focus, mediana das estimativas do PIB feita com base nas opiniões das instituições financeiras e divulgada toda semana pelo BC (Banco Central), a economia vai crescer apenas 0,7% no ano que vem, ante a 0,8% previsto anteriormente. Foi a oitava queda consecutiva.
Além disso, o desemprego subiu para 11,8% no terceiro trimestre (julho a setembro). Trata-se da maior taxa de toda a série histórica da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Atualmente, o Brasil soma 12 milhões de desocupados.
Com o objetivo de neutralizar o impacto das delações da Odebrecht, Temer decidiu acelerar o anúncio de um minipacote econômico, com a previsão de criar 200 mil postos de trabalho nos próximos quatro anos.
As medidas giram em torno da facilitação de crédito e devem ser anunciadas ainda nesta semana.
Paralelamente, o governo quer aprovar nesta terça-feira - ou seja, antes do recesso do Congresso, em 16 de dezembro - a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2017 e a admissibilidade da Reforma da Previdência pela Constituição de Constituição e Justiça da Casa.
Outro foco de Temer é votar ainda nesta semana a PEC do teto dos gastos em segundo turno no Senado.

Congresso brasileiro
Image captionTemer precisa evitar a todo custo a debandada dos partidos aliados, sobretudo do "centrão"

5) Perda de apoio político

Ainda que conte com o Congresso a seu favor - cenário diferente do de Dilma, por exemplo -, Temer precisa evitar a todo custo a debandada dos partidos aliados, sobretudo do "centrão".
Formado por representantes de 12 siglas (PP, PR, PSD, PTB, PROS, PSC, SD, PRB, PEN, PTN, PHS e PSL), o "centrão" consiste em um bloco informal de cerca de 200 deputados governistas do chamado "baixo clero" e vem sendo o fiel da balança de governabilidade do peemedebista.
Recentemente, porém, houve atritos entre o grupo e o Palácio do Planalto. Um deles foi a indicação do deputado Antonio Imbassahy, do PSDB, líder do partido na Câmara, para ocupar o cargo de Secretaria do Governo no lugar deixado por Geddel Vieira Lima.
O "centrão" também está de olho na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, atualmente ocupada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), em fevereiro do ano que vem. Maia é candidato à reeleição.
"Aumentamos de 10% para 20% o risco de Temer cair, mas, apesar desse risco ter aumentado, ele ainda permanece baixo. A variável-chave para saber se isso deve acontecer vai depender se haverá protestos significativos nas ruas pedindo sua saída ou se ele perderá apoio no Congresso. Mas ambas as hipóteses permanecem pouco prováveis", informou um comunicado divulgado pela consultoria de risco político Eurasia Group.
"Com a economia não dando sinais claros de uma recuperação robusta, os congressistas sabem que se Temer cair (...), a recessão pode se arrastar para 2017. Isso pode se provar desastroso para quem está tentando se eleger em 2018 em um contexto no qual os eleitores estão irritados com a classe política e as fontes tradicionais de financiamento para as campanhas das construtoras secaram."
"Com menos de dois anos para as eleições de 2018, o principal ativo de Temer no Congresso é de o que a maioria dos legisladores veem no sucesso de sua gestão a única forma de evitar um cenário de 'terra arrasada'", finalizou a nota.
Fonte BBC - 

As delações da Odebrecht e outras quatro ameaças que pairam sobre o governo Temer.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Pagamento de propinas por empreiteiras se consolidou durante ditadura.

Muitas das grandes empreiteiras se beneficiaram de relações especiais com o Estado desde seu surgimento entre as décadas de 30 e 50, mas o pagamento de propinas se consolidou durante a ditadura, afirma o historiador Pedro Henrique Campos, em entrevista à BBC Brasil.
Campos diz que não se surpreendeu "nem um pouco" com os detalhes da relação escusa entre empreiteiras e governantes revelada nas delações da Operação Lava Jato: "Não só sabia que existia, mas acho que era abertamente conhecido".
Ele pesquisou a história dessas empresas, e em especial seus laços com a ditadura militar (1964-1985), em sua tese de doutorado pela UFF, que deu origem ao livro Estranhas Catedrais.
Quando a Camargo Correa nasceu, por exemplo, em 1939, nota o pesquisador, um dos seus fundadores era cunhado de Adhemar de Barros, então governador-interventor de São Paulo que ficou historicamente atrelado ao bordão "rouba, mas faz".
Já a Odebrecht nasceu na Bahia em 1944, mas é a forte relação que ela constrói com a Petrobras, desde a fundação da estatal em 1953, que vai pavimentar o crescimento da empresa no país - é a empreiteira que mais cresceu durante a ditadura, segundo Campos.
"Na trajetória antes, durante e depois da ditadura, e até na ramificação da Odebrecht (para outros setores da economia, como o petroquímico, com a Braskem) existe a pauta dessa relação com a Petrobras", nota o pesquisador, atualmente professor do Departamento de História e Relações Internacionais da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
Apesar de reconhecer o ineditismo da Lava Jato ao aprofundar as investigações sobre essas relações escusas, Campos manifesta ceticismo com os efeitos da operação na redução da corrupção envolvendo empreiteiras.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil: As recentes revelações da delação de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, sobre a troca de favores e propina entre a empresa e políticos te surpreenderam ou confirmaram o que você já tinha observado na sua pesquisa?
Pedro Henrique Campos: Não me surpreende nem um pouco, pelo contrário. Essas delações estão desnudando um processo que, não só eu sabia que existia, mas acho que era abertamente conhecido. Só que agora estão sendo revelados os detalhes.
Na minha pesquisa eu me detive sobre o período da ditadura. Por mais que existissem práticas ilegais, de corrupção naquele período, era diferente. Era um sistema menos complexo, não havia um conjunto de instituições públicas funcionando no país, e a atenção dos empreiteiros estava muito mais voltada para o Poder Executivo.
O Congresso, os partidos e a sociedade civil naquela época não tinham muito poder. Então, a relação era diretamente com os militares, ministros, presidentes de estatais.
Enquanto hoje, eles buscam acessar o Poder Legislativo, os partidos, os parlamentares, para conseguir projetos de lei, emendas parlamentares, aprovação de medidas provisórias, para ter acesso às diretorias de estatais (muitas vezes cargos nomeados pelo presidente, mas seguindo indicações de partidos e parlamentares).
Na minha pesquisa, eu vi que na década de 80, o movimento de passar as ações do Executivo para o Legislativo não foi feito de maneira arbitrária. As empresas planejam esse deslocamento das atividades.
Eu cheguei a ler documentos internos do sindicato dos empreiteiros, o Sinicon, em que eles falam isso, "temos que mudar nossas ações, parar de falar com os militares, com os ministros, presidentes e diretores de estatais, para falar mais com parlamentares, com os partidos, com o Congresso e com a imprensa".
Agora, a prática de pagamento de propinas, é algo anterior à ditadura e se consolida naquele período. Só que não aparecia tanto porque os mecanismos de investigação que temos hoje não existiam ou estavam amordaçados.
BBC Brasil: Pelo que você pesquisou, seria correto dizer que essas empreiteiras investigadas na Lava Jato sempre foram corruptas? Seria inerente ao setor?
Campos: A maior parte das empreiteiras grandes hoje foi formada entre as décadas de 30 e 50, quando a industrialização criou toda uma demanda por infraestrutura, com rodovias, hidrelétricas. Elas vão nascer dedicadas a esse tipo de obras.
Aí tem uma particularidade do capitalismo brasileiro que é uma centralidade muito evidente do Estado no processo de desenvolvimento de acumulação de capital. Essas empresas, seus dirigentes, seus donos, em geral partem de uma relação prévia com o aparelho de Estado.
Vou citar dois casos. A Mendes Júnior foi fundada em 1953 por um ex-funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil e da Secretaria de Viação de Minas Gerais, que era o José Mendes Júnior. Ele começa a ver que pode ganhar muito dinheiro do outro lado do balcão, porque tem um mundo a se fazer de rodovias no início da década de 50. A Mendes Júnior já foi a maior empreiteira brasileira.
A Camargo Corrêa é fundada em São Paulo por dois grandes sócios, o Sebastião Camargo e o Sylvio Corrêa, que era cunhado do Adhemar de Barros, em 1939. E o Adhemar era interventor (nomeado por Getúlio Vargas para governar o Estado) de São Paulo. Então essa relação política da empreiteira é decisiva para ela obter desde o princípio contratos, relação de obras.
Eu, particularmente, acho que o termo corrupção é muito abrangente, já que são várias práticas que entram sob esse guarda-chuva da corrupção. Mas está claro que esses empresários dispõem de um poder político muito expressivo, com práticas ilegais, no sentido de pautar as políticas publicas.

Pedro Henrique CamposImage copyrightARQUIVO PESSOAL
Image caption'Delações estão desnudando processo que, não só eu sabia que existia, mas acho que era abertamente conhecido', afirma Campos

BBC Brasil: Segundo sua pesquisa, a Odebrecht foi a empresa que mais cresceu na ditadura. Pode falar um pouco do histórico da empresa e como ela se adapta na transição para a democracia?
Campos: Sua trajetória é muito particular. Ela nasceu na Bahia, em 1944, fundada pelo Noberto Odebrecht, e originalmente tinha atuação muito local.
Com a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada em 1959), cresce, mas ainda fica restrita à região nordestina. Consegue obras contra a seca, a hidrelétrica do rio São Francisco, e de agências públicas federais que demandam investimentos no Nordeste, sendo a principal delas a Petrobras.
A Petrobras é uma empresa fundada em 1953 no Rio, porém as atenções da empresa originalmente estão muito concentradas no Nordeste, particularmente na Bahia. E Juracy Magalhães, primeiro presidente da estatal, era um militar baiano (na verdade radicado na Bahia, ele é nascido no Ceará), com toda uma associação com empresários locais, que são desde então muito presentes na dinâmica interna da Petrobras.
A Odebrecht, na sua própria memória, se gaba de ter contratos com a Petrobras desde os anos 1950, como gasodutos e pequenas obras no Nordeste.
Na explosão de obras que a gente teve antes da ditadura, no governo JK (Juscelino Kubitschek, presidente de 1956 a 1961), com as obras de Brasília e as rodovias do plano de metas, a Odebrecht não fez nada disso. Ela não tem nenhuma relação com esses grandes empreendimentos, que eram mais restritos naquele momento a empreiteiras mineiras, paulistas e cariocas.
A Odebrecht vai crescendo então consoante à própria expansão da Petrobras. Na trajetória antes, durante e depois da ditadura, e até na ramificação da Odebrecht (para outros setores da economia) existe a pauta dessa relação com a Petrobras.
BBC Brasil: Como no caso da Braskem (empresa controlada pela Odebrecht em que a Petrobras tem participação de 36% das ações)?
Campos: Isso, não é a toa que o principal eixo de diversificação das ações do grupo Odebrecht sejam no âmbito da petroquímica. A Braskem (criada em 2002 a partir da fusão de outras empresas do grupo Odebrecht) tem tudo a ver com a parceria antiga e profunda que a Odebrecht tem na Petrobras mesmo.
O principal produto que a Braskem consome é o nafta (derivado de petróleo utilizado como matéria-prima para vários produtos como eteno, propeno, benzeno e gás doméstico) da Petrobras. Então, tem todo um jogo em torno do preço do nafta que a Petrobras vai praticar e é decisivo para a lucratividade da Braskem. E a Odebrecht confia no poder que ela tem dentro da estatal.
Inclusive a Braskem hoje é muito maior que a construtora Odebrecht. Mas antes disso é emblemático que a primeira obra principal da empresa fora do Nordeste seja o edifício sede da Petrobras no Rio de Janeiro.
No início dos anos 1970, a Camargo Corrêa é a maior empreiteira da ditadura, e a Odebrecht não consta nem entre as dez primeiras nacionais. Aí, tem duas obras que mudam radicalmente o perfil e o tamanho da Odebrecht, o Aeroporto Internacional do Galeão e a usina nuclear de Angra dos Reis. São obras que exigem grau de confiança dos militares que outras empreiteiras não dispõem.
BBC Brasil: Mas por que ela ganha esses dois contratos e não outra empreiteira?
Campos: Eu não tenho detalhes, documentos para comprovar isso. Mas a minha hipótese é que a Odebrecht ganha as obras justamente por sua inserção na Petrobras e pelo fato da Petrobras ser uma empresa controlada por uma direção em boa medida militar, antes e durante a ditadura.
O presidente da Petrobras no período Médici (general que presidiu o Brasil de 1969 a 1974) era o Ernesto Geisel (general que após presidir a estatal sucedeu Médici no comando do país, de 1974 a 1979).
Geisel é uma figura que detém poder político na ditadura muito forte, e parece ter uma relação de confiança com a Odebrecht muito intensa. Ele é um dos que vão sinalizar pela indicação da empreiteira para fazer essas duas obras.
São obras de segurança nacional. A ditadura tinha o projeto do Brasil potência com controle da arma nuclear. E o aeroporto internacional do Rio seria o maior do Brasil, para receber aviões militares e civis. Não é qualquer empresa que eles iam deixar construir. A Camargo Corrêa, por exemplo, tinha conexões internacionais. Isso gerava uma aversão.
A Odebrecht tradicionalmente tem um discurso nacionalista que obviamente é muito instrumentalizado. Não necessariamente ela tem aversão ao capital estrangeiro, mas tem esse discurso, lastreado um pouco nessa relação com os militares.

Fachada da Odebrecht em São PauloImage copyrightREUTERS
Image captionOdebrecht tinha contratos da Petrobras desde os anos 1950 e cresceu juntamente com a expansão da estatal

BBC Brasil: Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em 2014, você manifestou ceticismo com a Lava Jato. Mudou sua percepção? Está mais otimista?
Campos: Inicialmente achei que era mais um escândalo envolvendo empreiteiras, como inúmeros que tiveram antes. Eu realmente mordi minha língua e ela foi muito mais longe do que eu imaginava. Eles primeiro prenderam executivos, o que já era impressionante, mas depois prenderam os proprietários das empresas, algo supreendente.
Por outro lado, eu não diria que estou otimista. Pelo contrário, eu estou mais pessimista ainda. Primeiro, que a impressão que tenho é que a Lava Jato começa interessante, desmonta um esquema envolvendo empreiteiras e Estado, mas ela parece ser usada com certas finalidades políticas. Não é só isso a operação, mas os desdobramentos dela parecem ter algum grau de instrumentalização política.
Segundo, não parece que os mecanismos institucionais que permitem essas práticas estão sendo atacados. Ninguém está falando de rever leis de licitações. Ninguém está falando de rever o sistema de obras públicas no país de modo que as obras sejam mais sérias, mais baratas, menos corruptas, de maior qualidade.
A gente tem sistemas no exterior em que seguradoras fiscalizam se a obra está sendo feita no prazo, com qualidade, sem desvio de recurso e feita com o preço justo. Eu não vejo essa discussão.
Não vejo discussão sobre como funcionam as emendas parlamentares.
BBC Brasil: Algo que aumente a transparência do lobby?
Campos: Sim, a questão do lobby também, que é uma prática institucionalizada nos Estados Unidos e aqui não.
E por outro lado, os efeitos da Lava Jato, são danosos em certa medida. Será que uma punição rigorosa vai mudar a forma como ocorre (a corrupção), sem mudança legal, da estrutura do processo.
Aí vão quebrar as empreiteiras do país e vão vir empresas de fora. Essas empresas estrangeiras são menos corruptas? Eu tenho dúvidas se é uma questão moral das empresas. São empresas capitalistas que buscam lucro e vão usar de artifícios diversos para isso.
O histórico que a gente tem é que as estrangeiras são tão corruptas quanto. A gente tem a SBN (empresa holandesa que aluga navios-plataforma) com a Petrobras, a gente tem o cartel das empresas de metrô e trem em São Paulo, com a Alston, francesa, e a Siemens, alemã.
A diferença é que elas vão mandar lucros para fora, vão contratar engenheiros estrangeiros, trazer mais equipamentos, material, de fora. Eu vejo na verdade com muito receio e inquietação os desdobramentos da Lava Jato.
Fonte:BBC - 

Pagamento de propinas por empreiteiras se consolidou durante ditadura, diz historiador.

Professor Edgar Bom Jardim - PE

A Nova Guerra Fria.

Por que há uma nova corrida espacial pela conquista da Lua, como na Guerra Fria.

Há décadas existe a promessa de uma base na Lua. Colocamos um pé lá, e parou por aí - nossa presença no satélite natural da Terra se resume a pegadas.
Ao mesmo tempo, nos tornamos especialistas em orbitar a Terra a bordo da Estação Espacial Internacional.
No entanto, estão surgindo cada vez mais iniciativas públicas e privadas que não só anunciam um retorno à Lua, mas ambiciosos planos de colonização.
A China já revelou que pretende pousar no lado oculto da Lua (que não pode ser visto da Terra) em 2018, enquanto a Rússia prepara o pouso de sua primeira nave tripulada para 2031.
Os Estados Unidos não se manifestaram como governo, mas em julho deste ano deram permissão para a empresa privada Moon Express ir à Lua. E a NASA convocou recentemente companhias do setor privado a enviarem sugestões de experimentos que podem ser feitos por lá.

A que se deve tanto interesse?

FogueteImage copyrightESA
Image captionRússia quer construir bases na Lua, projeto que a China compartilha
Para o especialista em aeromecânica Leon Vanstone, da Universidade do Texas, o principal motivo é o mesmo da Guerra Fria: poder.
"Devemos lembrar que foram os russos (então União Soviética) os primeiros a enviar um homem ao espaço - eles queriam militarizar o espaço - e os Estados Unidos se apressaram então em colocar um homem na Lua", disse Vanstone à BBC mundo.
Essa demonstração de poder custou centenas de milhões de dólares e, segundo Vanstone, as então potências perceberam que o melhor para todos era realizar iniciativas conjuntas em que os gastos e responsabilidades são compartilhados (como acontece agora na Estação Espacial Internacional).
Mas o tabuleiro do xadrez geopolítico mudou.
A China está crescendo como uma potência espacial, e os Estados Unidos já não têm o mesmo status - dependem dos russos para avançar com seu programa espacial. E, conforme lembra a especialista em Direito Espacial Jill Stuart, da London School of Economics, "há muita tensão entre os Estados Unidos e a Rússia ".
"Então, há sempre uma política complicada por trás", afirmou Stuart à BBC.
Além disso, diferentemente da maioria das agências espaciais do mundo - como a NASA (EUA), ESA (Europa) ou Roscosmos (Rússia) -, o programa espacial chinês é dirigido por militares.
Homem na LuaImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionEstados Unidos provaram que era possível ir à Lua, mas a um custo muito alto
Essa seria a diferença entre o governo chinês e americano.
"Os Estados Unidos não querem dizer que o seu programa é estatal. Na sua política capitalista, preferem dizer 'vamos deixar nossas empresas privadas à frente do programa espacial'", esclarece Stuart.
Para Naveen Jain, um dos fundadores da Moon Express, as possibilidades de negócios na Lua são ilimitadas. Uma licença de uso e exploração permitiria a ele dar início a atividades de mineração, oferecer pacotes turísticos ou vender pedaços de rochas lunares como pedras preciosas.
Stuart e Vanstone deixam claro, no entanto, que essas empresas não são de todo privadas, uma vez que são financiadas com dinheiro do Estado e devem operar sob a tutela da NASA.
Ilustração de exploração da LuaImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionModelo de negócio da Moon Express prevê de mineração até venda de pacotes turísticos para a Lua

Por que agora?

Uma outra razão para a retomada do interesse pela Lula é a tecnologia mais barata.
"A primeira vez que o homem foi à Lua precisou de foguetes gigantes que custaram centenas de milhões de dólares", conta Jain à BBC.
Os avanços na tecnologia permitem que os foguetes sejam menores, mais leves, eficientes e econômicos.
"Estamos usando um foguete menor impresso em 3D que custa menos de US$ 5 milhões", acrescenta o empresário, que planeja enviar no ano que vem uma sonda avaliada em outros US$ 5 milhões para a Lua.
FogueteImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionAvanços na tecnologia permitem que os foguetes sejam menores, mais leves, eficientes e econômicos
E o avanço tecnológico nos leva à terceira razão para essa "febre" pela Lua: recursos minerais e naturais.
O desenvolvimento de dispositivos inteligentes é possível graças aos raros recursos minerais da Terra, como tântalo ou tungstênio, supercondutores que fazem com que a tecnologia seja rápida, minimalista e econômica.
Jain não esconde que esse é o seu principal interesse no satélite.
Homem pisando na LuaImage copyrightAFP
Image captionAgora sabemos que, sob a poeira lunar, há uma infinidade de recursos minerais
"A Lua é extremamente rica em recursos. Tudo pelo que brigamos na Terra está em abundância no espaço", afirma o empresário.
"Lutamos por terra, água e combustível, sem perceber que somos um pequeno ponto azul no espaço", completa.
Vanstone concorda que esse é um interesse comercial e geopolítico importante.
"Cada vez mais pessoas estão interessadas em metais raros, e esse é o interesse de fazer a mineração na Lua", diz.
A questão é que seria muito mais caro trazer esses minerais para a Terra do que continuar a explorar o que temos aqui.

Bases lunares?

O fato de que há muitos recursos na Lua leva a outra motivação: construir bases lunares.
Com o avanço da tecnologia e a capacidade de chegar cada vez mais longe, a Lua se torna apenas um pequeno passo para a exploração do espaço.
Mas, para que isso aconteça, é preciso resolver um problema antes: combustível para viajar. Afinal, a maior parte do peso das naves lançadas ao espaço é de combustível.
Assim que a meta não for mais o nosso satélite, será Marte. E, se um dia chegarmos lá, então o desafio vai além.
Ilustração da colonização de MarteImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionA Lua é apenas um passo para tornar essa ilustração de uma base em Marte realidade
Para isso, a Lua poderia ser uma parada estratégica para abastecimento.
E não apenas os Estados Unidos acreditam nisso. A China também está de olho em Marte e anunciou, recentemente, que em 2020 pretende visitar o Planeta Vermelho.
"A Lua pode ser usada como uma base, já que é feita exatamente dos materiais que precisamos", diz Vanstone.
Mas as empresas privadas não a veem apenas como uma base para abastecimento.
"Parafraseando JFK (ex-presidente americano John Fitzgerald Kennedy) 'escolhemos ir à Lua não porque era fácil, mas porque era um bom negócio', e é disso que se trata, de fazer um bom negócio", diz o fundador da Moon Express, que vê a comercialização da Lua como um negócio "grandiosamente genial".
Leon Vanstone reconhece que há muito dinheiro envolvido no espaço.
"E os primeiros a fazer negócio serão aqueles que ganharão mais dinheiro", avalia.

Mas quem pode explorar a Lua?

Ilustração de exploração da LuaImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionQuanto você pagaria para tirar uma selfie aqui?
Esse poderia ser o risco do investimento.
Segundo o tratado sobre a exploração e utilização do espaço, assinado por 103 países em 1967, "o espaço, incluindo a Lua e outros corpos celestes, não deve ser objeto de apropriação nacional por reivindicação de soberania, uso, ocupação ou de qualquer outra forma".
Como os governos poderiam então planejar operações na Lua e conceder concessões a empresas privadas se, a princípio, ninguém tem o poder de fazê-lo?
Embora o acordo internacional afirme que o espaço é um território neutro e ninguém pode se apropriar dos corpos celestes, há diversas interpretações.
"Primeiramente, o tratado especifica que nenhuma nação deve se apropriar de qualquer corpo celeste", diz a especialista Jill Stuart. "Mas há dúvidas se as entidades não-estatais poderiam fazer essas reivindicações."
Em segundo lugar, o fato de que você não pode reclamar a propriedade, não significa que não possa ocupar o espaço.
"É como a Antártida", diz a especialista. "Você pode ter uma base lá, contanto que diga que o que está sob seus pés não é seu", afirma Stuart.
Estação McMurdo, dos Estados Unidos, na AntártidaImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionNa Antártida não se pode declarar soberania de nada, mas é permitido ter bases. Será assim na Lua?
Sendo assim, Estados e empresas privadas estão à procura de brechas na legislação de quase 50 anos para abocanhar uma fatia do negócio no espaço.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos explicou por escrito à BBC que a permissão dada à Moon Express está baseada no fato de que são "as atividades privadas que desbloqueiam novas investidas espaciais e permitem avançar nossa compreensão do sistema solar, o que, sob vigilância adequada, pode beneficiar todos os países no longo prazo."
O governo dos EUA não ignora o tratado, pelo contrário, considera a responsabilidade de legislar sobre as atividades nacionais no espaço.
"A base para esta jurisdição é mais nacional do que territorial. Entre os objetivos do processo de autorização para atividades privadas no espaço está assegurar o cumprimento do tratado", afirmou.
Para Stuart, o que preocupa são outras iniciativas do governo americano para promover atividades espaciais.
Em novembro de 2015, os Estados Unidos aprovaram uma lei que permite aos cidadãos americanos explorar comercialmente e reivindicar a posse de recursos obtidos no espaço.
"Isso me perturba um pouco", admite Stuart.
"Essa lei tem o potencial de minar o acordo internacional que já está em vigor para o espaço", completa.
Na opinião de Sa'id Mosteshar, do Instituto de Direito e Política Espacial de Londres, essa legislação não cumpre os tratados internacionais.
"Parece que os Estados Unidos estão concedendo a seus cidadãos um direito que o próprio país não tem", disse Sa'id Mosteshar à BBC.
"Você não pode dar um direito nacional que não pode exercer".
Em 1979, antecipando uma futura exploração lunar, a ONU redigiu o Tratado da Lua, estipulando as condições para essa atividade.
Caricatura da LuaImage copyrightTHINKSTOCK
Image captionQuem quer colonizar a Lua?
A questão é que apenas 13 países assinaram o acordo - e nenhum deles tem recursos para participar de uma corrida espacial.
Para os especialistas, parte do problema é que essas leis foram escritas há muitos anos e não foram atualizadas.
Talvez a exploração da Lua seja inevitável. E a possibilidade de haver bases de diferentes países, como ocorre na Antártida, não está tão distante de acontecer.
Mas, para Jill Stuart, a pergunta que devemos fazer é: quem nós queremos que nos represente no espaço?
"Em breve teremos diferentes entidades pousando em corpos celestes, e acho que devemos nos perguntar quem a gente quer que vá para o espaço e nos represente".
"Eu não quero acordar daqui a 100 anos e descobrir que a Lua é da Coca-Cola", acrescenta.
Fonte:BBC
Professor Edgar Bom Jardim - PE