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domingo, 11 de fevereiro de 2018

Querem privatizar, escravizar a polícia federal. Barroso intima diretor da PF após declaração sobre inquérito que investiga Temer


O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, determinou a intimação do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, após a publicação de uma entrevista em que ele teria antecipado o resultado de um inquérito policial que investiga o presidente Michel Temer. Em despacho deste sábado (10), Barroso, que é relator do caso no STF, afirma que quer ouvir Segóvia para que ele “confirme as declarações” publicadas e “se abstenha de novas manifestações a respeito”.

Em entrevista concedida nesta sexta-feira (9) à Agência Reuters e divulgada no portal da empresa, Segovia afirma que os “indícios são muito frágeis” e sugere que o inquérito "pode até concluir que não houve crime”. De acordo com Barroso, como a investigação não foi concluída e ainda há “diversas diligências pendentes”, o assunto não deveria ser “objeto de comentários públicos”.

Temer é investigado por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro por ter, supostamente, recebido vantagens indevidas de uma empresa para editar o chamado Decreto dos Portos. Além dele, são investigados o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures, que foi assessor especial de Temer, e mais dois empresários. Na entrevista, o diretor-geral da PF diz que o decreto editado “em tese não ajudou a empresa”. “Em tese, se houve corrupção ou ato de corrupção, não se tem notícia do benefício. O benefício não existiu”, afirmou o diretor, conforme reprodução da Agência Reuters.

“No final, a gente pode até concluir que não houve crime. Porque ali, em tese, o que a gente tem visto, nos depoimentos, as pessoas têm reiteradamente confirmado que não houve nenhum tipo de corrupção, não há indícios de, realmente, de qualquer tipo de recurso ou dinheiro envolvidos. Há muitas conversas e poucas afirmações que levem realmente a que haja um crime”, disse, ainda segundo a Reuters.

No despacho, Luís Roberto Barroso lembra que não recebeu o relatório final do delegado encarregado pelas investigações e pede que o Ministério Público tome as providências que entender cabíveis sobre o caso. O relator do processo questiona ainda a fala em que Segóvia teria ameaçado o delegado responsável, que “deve ter autonomia para desenvolver o seu trabalho com isenção e livre de pressões”.

“Tendo em vista que tal conduta, se confirmada, é manifestamente imprópria e pode, em tese, caracterizar infração administrativa e até mesmo penal, determino a intimação do senhor diretor da Polícia Federal, delegado Fernando Segóvia, para que confirme as declarações que foram publicadas, preste os esclarecimentos que lhe pareçam próprios e se abstenha de novas manifestações a respeito”, determinou Luís Roberto Barroso.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

sábado, 10 de fevereiro de 2018

A melhor do mundo:'Grito muito, mas quero eco', diz Elza Soares sobre combate ao racismo

Elza SoaresDireito de imagemELZA SOARES
Image caption"Eu olho para a frente. Eu olho o hoje"
Parece que o fim do mundo está chegando pela janela do apartamento de Elza Soares, empoleirado sobre a Avenida Atlântica, de tão densa a névoa que cobre a Praia de Copacabana. Nem parece haver mar nem horizonte numa tarde abafada do verão carioca. Fim? Nem pensar. A protagonista de "A Mulher do Fim do Mundo", álbum de 2015, continua criando, e se reinventando, aos 80 anos. Elza entra em estúdio na próxima segunda feira para começar a gravar o próximo álbum, que agora proclama no título: "Deus É Mulher".
Elza tem recebido homenagens pelos 80 anos que completou em junho do ano passado, mas já teria 87 anos de acordo com um segundo registro de nascimento. Ela se recusa a falar qual está certo. "Esse negócio de idade... Não tem idade, cara. Sou atemporal."
O mote do novo disco segue a onda de protestos do trabalho recente da cantora, que levanta bandeiras contra o racismo, violência doméstica, homofobia, e agora foca no "empoderamento todo que as mulheres estão tendo, graças a Deus".
'Onde estão os negros?': Elza Soares fala de racismo e violência contra mulher
"Eu vim protestando com "A Mulher do Fim do Mundo" e volto com o mesmo protesto, mas dando mais força às mulheres. Pondo mais a mulher na frente. Nós mulheres sabemos que podemos ficar à frente", diz. "Mulheres podem liderar e pode haver Deus dentro de cada uma de nós. Por que não? Por que Deus não pode ser mulher? Deus é mulher."
Elza diz que o "grito" das mulheres já vem de muitos anos, mas está sendo mais ouvido agora.
"O momento é propício para o grito. Esse grito não pode ser silenciando. Tem que continuar gritando, e muito", afirma.
Elza recebe a BBC Brasil sentada com uma almofada firme nas costas, e permanece na mesma posição até irmos embora, reflexo dos problemas na coluna que a obrigam a fazer fisioterapia três vezes por semana e apresentar todos os shows também sentada. A cantora é avó e bisavó, com sete netos e quatro bisnetos.
Elza SoaresDireito de imagemPATRICIA LINO
Image captionSobre como superou as dificuldades no começo da vida, Elza diz: 'Garra. Vontade. Entendeu? Acreditar.'
Com um medalhão dourado de São Jorge no peito, Elza fala sobre as lutas às quais empresta sua voz rouca e potente, reforçadas pela imagem "guerreira" de quem superou a pobreza, o preconceito, a morte de três filhos e a violência do ex-parceiro, o jogador Mané Garrincha.
Quando eram casados, Elza viveu desde os tempos áureos, com os títulos das Copas de 1958 e 1962, à derrocada do jogador para o alcoolismo no fim da carreira, quando começou a bater nela e chegou a quebrar seus dentes em um ataque.
Uma das músicas do último álbum virou um hino denunciando a violência contra mulheres. "Maria da Vila Matilde" conclama mulheres a ligar para o 180 e denunciar seus parceiros em casos de agressão, com as palavras de ordem: "cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim".
Elza se separou após 17 anos de casamento - e diz gostar de pensar apenas nos bons momentos com Garrincha, sem querer remoer o sofrimento.
Batizada Elza da Conceição, a cantora nasceu em um sítio em Padre Miguel e cresceu em Água Santa em meio à pobreza. Casou-se aos 12 anos. Aos 13 anos, já mãe, perdeu um dos dois filhos para uma pneumonia. Aos 21 tornou-se viúva do primeiro marido, de quem herdou o sobrenome Soares.
A jovem Elza carregou caixa d'água na cabeça e foi doméstica, faxineira, empacotadora - tudo menos cantora. Apesar da inclinação que sentia desde criança, aquele caminho não era uma opção para a família. Quando os dois filhos pegaram uma pneumonia grave e não havia dinheiro para antibióticos, o desespero a levou a se inscrever escondida da família no programa de calouros de Ary Barroso na Rádio Tupi. Vestiu uma roupa larga demais da mãe e enfiou alfinetes onde sobrava pano. O visual ficou tão peculiar que Ary Barroso, ao vê-la, perguntou de que planeta ela vinha.
Elza SoaresDireito de imagemPATRICIA LINO
Image captionCantora cresceu em Água Santa em meio à pobreza
A resposta de Elza, que pesava "30 e poucos quilos", cortou os risos debochados do auditório. "Do planeta fome", rebateu. Ela saiu do programa com um prêmio em dinheiro, correu para a farmácia e medicou os filhos. Um deles reagiu, mas o outro morreu poucos dias depois.
Neste ano, sua história de vida vai virar uma biografia escrita pelo jornalista Zeca Camargo (Editora Leya) e um musical para o teatro. Um filme também está em fase de planejamento, com a atriz Taís Araújo vivendo a protagonista.
Elza se mostra avessa a perguntas que tematizem o passado e a velhice. Medo da morte? "Nunca conversei com ela não. Deixo ela distante."
Uma mesa na sala reúne alguns dos muitos prêmios acumulados pela cantora, que ganhou o Grammy Latino na categoria de melhor disco de música popular brasileira por "A Mulher do Fim do Mundo", em 2016.
Elza Soares e GarrinchaDireito de imagemAGÊNCIA O GLOBO
Image captionElza Soares foi casada durante 17 anos com Garrincha
"Eu não olho para trás. Eu olho para a frente. Eu olho o hoje. É o que eu digo sempre, my name is now", afirma, repetindo o bordão ("meu nome é agora") que deu nome a um documentário sobre sua trajetória, lançado em 2015.
"Deus É Mulher" será lançado ainda neste ano, e a cantora continua em turnê com o show "A Voz e a Máquina" - uma boa metáfora desse corpo que, esteja com 80 anos ou 87, segue enfileirando um projeto atrás do outro. "Meu futuro está aí. Deixa o futuro vir. O passado já foi."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Elza, existe um conflito sobre a sua data de nascimento. Qual é a verdadeira?
Elza Soares - Não comento. Não se pergunta sobre idade a mulher. Esse negócio de idade... não tem idade, cara. Sou atemporal.
BBC Brasil - Você teve um ressurgimento surpreendente depois do lançamento de 'A Mulher do Fim do Mundo'. Como é se tornar um ícone pop na sua idade?
Elza Soares - Gente, eu não sei sobre esse negócio de idade, o que que tem idade, idade... Você tem o tempo, a matéria, o espírito, entendeu? Acho que quando você resiste, você está bem, aguentando tudo, é maravilhoso. Eu vejo meninos aí não aguentando nada, meninas não aguentando nada.
BBC Brasil - Então como você se sente na fase de vida em que está hoje?
Elza Soares - Completamente bem, fantástica, maravilhosa, trabalhando, viajando muito. Sucesso absoluto. Feliz.
BBC Brasil - O que inspirou a escolha do nome "Deus É Mulher" para o novo disco? Em que sentido você quer dizer que Deus é mulher?
Elza Soares - Com "A Mulher do Fim do Mundo a gente veio denunciar tudo que não presta. Como os problemas não tiveram fim, aliás, é muito difícil acabarem, a gente volta agora com "Deus É Mulher". Acho que as mulheres, com o empoderamento todo que têm agora, graças a Deus, elas podem muito bem liderar e pode haver Deus dentro de cada uma de nós. Por que não? Por que Deus não pode ser mulher? Deus é mulher.
Eu vim protestando com "A Mulher do Fim do Mundo" e volto com o mesmo protesto, mas dando mais força às mulheres. Pondo mais a mulher na frente. Nós mulheres sabemos que podemos ficar à frente. Acho que é por aí.
BBC Brasil - Você já passou por muitas dificuldades na vida. Como a sua trajetória influenciou a sua carreira e o seu jeito de cantar?
Elza Soares - Garra. Vontade. Entendeu? Acreditar. Tudo isso você tem que ter contigo. Eu acredito. Eu tenho garra. Eu tenho persistência. Eu acho que isso faz acontecer.
BBC Brasil - Em seu último disco você toca em temas sensíveis, e um deles é violência doméstica, com a música "Maria da Vila Matilde", que virou uma espécie de hino pela causa. Você sofreu esse problema no passado - o que fez com que, em 2015, você quisesse falar no assunto?
Elza Soares - Eu já vinha falando sobre isso há muito tempo. Eu falo de política desde que comecei a cantar. De ser mulher, de ser negra. De ser mulher negra.
A violência doméstica, por mais que você fale e tente combater, ainda é muito presente. É triste que você ainda tenha a necessidade de fazer músicas falando da violência contra a mulher, que é uma coisa horrível. Isso você vai ter que falar a vida toda? É um câncer, né?
A gente fala da negritude, tem que falar da cor de pele, que é uma coisa absurda, né, tem que estar toda hora gritando, "olha!", "olha!", como um pregão, sempre.
BBC Brasil - Como você vê o movimento atual do feminismo, com tantas mulheres quebrando o silêncio sobre violência sexual e gerando um efeito-dominó de denúncias de assédio?
Elza Soares - Acho que valeu o passado. Acho que para esse presente de agora, valeu o passado. Porque tudo se copia, né? Eu acho que essa cópia aí é maravilhosa, porque as mulheres estão podendo falar mais, estão podendo gritar mais.
Mas isso já vem de um passado em que as mulheres vinham gritando, queimaram sutiãs, foram queimadas. Então você vê que a mulher já vem com um grito de muitos anos. Talvez sejamos ouvidas agora. Agora. Mas esse grito já vem de longe. Acho que o eco está sendo agora, mas o grito vem de longe.
Elza SoaresDireito de imagemPATRICIA LINO
Image caption"A violência doméstica, por mais que você fale e tente combater, ainda é muito presente"
BBC Brasil - O que é diferente no momento atual? Acha que é um momento propício para o grito?
Elza Soares - O momento é propício para o grito, lógico. Esse grito não pode ser silenciado, tem que continuar gritando, e muito. Gritar mesmo, sem interrupção.
BBC Brasil - Você costuma dizer em seus shows que o Brasil é negro. O que você acha que falta para a sociedade encarar de frente a desigualdade racial?
Elza Soares - Deixa eu te contar. Eu recebi uma homenagem no Memorial (da América Latina) em São Paulo com uma orquestra sinfônica maravilhosa (a Jazz Sinfônica), grande maestro, grandes músicos, uma homenagem belíssima. No momento que eu vi a Sinfônica, senti uma coisa meio estranha. Não vi um negro nessa Sinfônica. Então eu pergunto, onde estão meus negros? O que eles estão fazendo? Por favor, lutem, busquem, porque vocês têm o direito também. Aliás, temos o direito.
Quando eu cantei "a carne mais barata no mercado é a carne negra" - não é a carne negra. Foi a carne negra, entendeu? Cantei (a música "A Carne") e fui muito aplaudida quando falei que sentia falta de um negro naquela Sinfônica.
BBC Brasil - Sua história com o Garrincha teve momentos muito difíceis. É deles que você se lembra mais quando pensa nele?
Elza Soares - Eu penso nos momentos de amor. Procuro esquecer os momentos de ódio, porque a coisa pior do mundo é o ódio, né? Então penso no momento de amor, que foi lindo.
BBC Brasil - Você já disse que o futebol brasileiro morreu com ele. Foi isso que causou o 7x1 na Copa de 2014?
Elza Soares - Eu acho que morreu mesmo. É falta de Garrincha, né? Garrincha nunca ganhou dólar, nunca ganhou euro, era canela, pé, aquelas pernas tortas maravilhosas. E aquele menino brincando de jogar futebol, né? Brincando sério.
Elza SoaresDireito de imagemPATRICIA LINO
Image caption"Eu tenho muito medo da palavra ditadura. O Brasil não merece essa palavra"
BBC Brasil - Você viveu a ditadura e chegou a ir para o exílio com o Garrincha. Como você vê o momento político atual do país à luz do que viveu naquela época?
Elza Soares - Eu tenho muito medo da palavra ditadura. O Brasil não merece essa palavra. A gente tem que pensar muito antes de falar sobre política, porque está tudo tão conturbado. O momento pede consciência. Saber o que está acontecendo.
Dizem que a voz do povo é a voz de Deus. Quando o povo quer, a coisa acontece. Tem que ter consciência do momento que estamos atravessando. Por favor, a eleição vem aí, povo, por favor. Olha esse Brasil como é que está. Esse país que, lá fora, às vezes vira brincadeira, vira chacota. Você não quer ver teu país sendo falado dessa maneira tão triste.
Eu sou muito otimista. Eu acredito que isso é um momento que nós estamos atravessando, e vai passar. Acredito. Acredito nesse povo brasileiro sofrido, que isso vai passar. É um momento trágico, um momento ruim, mas acho que vai vir um momento bom para gente também. Assim como veio para a Elza Soares, há de vir para o Brasil.
BBC Brasil - É um momento difícil para o Rio também, com a crise e a onda de violência que o Estado está enfrentando.
Elza Soares: Ah, eu vejo esse Rio chorando. O Rio que é um Rio de alegria. A gente tem uma cidade tão maravilhosa. E passar por esses momentos cruéis assim. Eu vejo o Rio pedindo socorro, pedindo misericórdia, "help me". Assim eu vejo o Rio de Janeiro, pedindo socorro.
BBC Brasil - Quais são as coisas em que você se agarra para ter fé?
Elza Soares - Deus, lógico, primeiramente Deus. Acredito muito em Deus e me agarro nos meus santinhos maravilhosos. Nossa Senhora de Aparecida, São Jorge, sempre pedindo misericórdia. Não peço só para mim, não. Peço misericórdia para a nação.
BBC Brasil - Com toda essa rotina de shows, como é seu dia a dia, sua de cuidar da saúde?
Elza Soares - Eu sou muito tranquila. Cuido muito bem do meu corpo. Três vezes por semana tenho fisioterapia. Cuido da minha saúde, da minha alimentação, eu sei que preciso me cuidar. Por isso que eu digo, cuidem do Brasil porque o Brasil precisa se cuidar.
Elza SoaresDireito de imagemERICK AMARANTE
Image caption"Adoro um espelho. E para adorar um espalho adoro cirurgia plástica, adoro tudo"
BBC Brasil - As pessoas às vezes te associam a cirurgias plásticas, às intervenções que você fez. Como você vê a vaidade feminina e a imagem que você tem?
Elza Soares - Adoro um espelho. E para adorar um espalho adoro cirurgia plástica, adoro tudo. Acho que a mulher merece tudo, tem que ser linda, vaidosa. Mulher. Bons vestidos de seda, boas camisolas lindas, maravilhosas. Olhar no espelho e dizer, sou feliz comigo mesma. É muito bom.
BBC Brasil - Mas a mulher sofre uma objetificação muito forte, a ideia do corpo sarado, das capas de revista com mulheres perfeitas. Você acha que isso tem que ser questionado nesse novo movimento de feminismo?
Elza Soares - Não sei. Eu sei que eu gosto de mim, gosto de malhar, gosto de estar bem. Gosto de fazer uma cirurgia plástica se precisar. Eu não vou fazer mais.
Mas faria cirurgia plástica maravilhosamente bem, não sei se precisa; se precisar, também faço. Eu acho que é por aí. Se o espelho me questionar, vou. Eu falo até para o espelho, pode esperar que eu volto amanhã para você.
BBC Brasil - Você casou com 12 anos. Como foi para você casar tão cedo, e como a sua sexualidade se desenvolveu ao longo da sua vida?
Elza Soares - Eu soltava pipa, jogava bola de gude, com filho no colo. Pegava balão, corria muito, brincava com eles. Foi assim que foi a minha vida. Era criança e mãe. Tanto que meus filhos me chamam de Conceição até hoje. Era como se fôssemos amigos.
BBC Brasil - Com tudo o que você sofreu, o que você diria se pudesse falar com a Elza do passado, ainda menina em Água Santa?
Elza Soares - Não sei. É muito gozado, eu não olho para trás. Eu olho para a frente. Eu olho o hoje. Eu digo sempre, my name is now ("meu nome é hoje"). Eu não gosto muito do passado. O passado já foi, já sei. O futuro não sei o que virá. Então, eu vivo hoje.
BBC Brasil - Como era a sua casa da infância em Água Santa?
Elza Soares - Era bem pobrezinha, mas tinha muita riqueza lá dentro. Tinha toda a minha família. Éramos seis irmãos.
BBC Brasil - Quando você se descobriu cantora? Seus pais eram contra?
Elza Soares - Eu sempre soube. Por incrível que pareça. Sempre gostei de cantar, desde pequenininha. Ser cantora na época era uma coisa pejorativa. Meu pai queria que eu estudasse muito, que não falasse em ser cantora, nada disso. Mas ele tocava violão e pedia para eu cantar com ele... Mas ele queria que eu fosse professora. Olha onde ele queria me jogar, professora. Eu não ia conseguir ser uma boa professora porque não iam me pagar, e eu ia brigar muito. Ia ficar essa coisa horrível de sempre ter uma greve.
Elza SoaresDireito de imagemELZA SOARES
Image caption"É uma mulher que tem coragem de dizer, de lutar, de buscar. Uma mulher que luta, sozinha. Mulher."
BBC Brasil - Quando você era criança adolescente, que música chegava aos seus ouvidos?
Elza Soares - Era só rádio, né? Eu me lembro de Orlando Silva, que chegava para a gente, e de Glenn Miller. O Brasil era todo americano. O Brasil não era Brasil, era Brasil americano.
O Brasil não gosta muito do Brasil. Eu não sei o que acontece. Você liga o rádio ainda hoje e escuta muito pouca música brasileira.
BBC Brasil - O que você acha que você representa como um símbolo musical?
Elza Soares - Cara, é porque eu grito muito, entendeu? Talvez seja pela minha luta, pelas minhas guerras, minhas buscas. Mas eu queria eco dos meus gritos. Pela raça, buscando, falando, brigando por eles. Brigando por nós, né?
BBC Brasil - Você tem medo da morte, Elza?
Elza Soares - Nunca conversei com ela não, entendeu? Deixo ela distante. Não tenho muita confiança com ela não. Deixa ela pra lá.
BBC Brasil - Você não para de fazer planos para o futuro.
Elza Soares - Não, lógico, meu futuro está aí. My name is now. E deixa o futuro vir. Como deveria ser. O passado já foi.
BBC Brasil - O que você diria que é a mulher do fim do mundo?
Elza Soares - É uma mulher que tem coragem de dizer, de lutar, de buscar. Uma mulher que luta, sozinha. Mulher.
Júlia Dias Carneiro/ BBC.
Professor Edgar Bom Jardim - PE

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Pernambuco:mais policiais civis


Os 1.214 novos policiais civis e científicos já começam suas atividades nesta semana em todo Estado. São delegados, agentes, escrivães, peritos, médicos legistas e auxiliares, que reforçarão a segurança pública em Pernambuco. "Estou muito confiante de que vamos garantir à população aquilo que ela tanto quer, que é sair de casa, poder levar seus filhos ao colégio, ir ao trabalho, tudo isso com segurança. E sabendo que vai poder voltar para casa, à noite, com tranquilidade. Os investimentos na área da segurança não vão parar. Temos um longo caminho pela frente, mas venceremos esse problema que incomoda a todos nós", diz Paulo Câmara.

Foto: Hélia Scheppa/ SE

Professor Edgar Bom Jardim - PE

Brasil:o que pode detonar uma epidemia urbana de febre amarela


Aedes aegyptiDireito de imagemREUTERS
Image captionSe população de Aedes aegypti crescer, também aumentará o risco de transmissão urbana da febre amarela
Uma das maiores preocupações de cientistas que estudam a febre amarela e de autoridades que tentam controlar o atual surto da doença é evitar que o vírus comece a ser transmitido nas cidades pelo mosquito Aedes aegypti, também vetor da dengue, chikungunya e zika.
Por enquanto, o Brasil só vem registrando casos de contaminação por mosquitos dos gêneros Haemagoguse Sabethes, que são silvestres - ou seja, vivem em florestas. Ao longo de 2017, foram confirmados 779 casos de febre amarela, 262 deles resultando em mortes.
O surto poderia ser muito mais mortal se pessoas estivessem sendo infectadas dentro de centros urbanos, não apenas em áreas de parques e florestas. Mas nesta semana, um caso de infecção em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, acendeu um sinal de alerta.
A prefeitura informou que um homem de 35 anos teria sido contaminado na cidade, e não em área de mata. Mas o Ministério da Saúde esclareceu, depois, que o paciente trabalharia em uma área rural, embora morasse em bairro urbano. E que testes precisariam ser feitos para verificar se, de fato, ele foi infectado pelo Aedes aegypti. A pasta disse considerar "baixíssima" a possibilidade de haver infecção urbana.
Diante desse cenário, a BBC Brasil conversou com especialistas para saber o que poderia causar um surto de febre amarela nas cidades do país. A falta de controle do Aedes e uma série de fatores seriam necessários para que isso ocorresse. Confira:
Mosquito Sabethes
Image captionA diferença entre a febre amarela urbana e a silvestre está nos mosquitos que transmitem o vírus em cada ambiente | Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

Como saber se a contaminação foi 'silvestre' ou 'urbana'?

Uma das diferenças centrais entre a febre amarela urbana e a silvestre está nos mosquitos que transmitem o vírus em cada ambiente.
Enquanto nas florestas insetos dos gêneros Haemagoguse Sabethesdisseminam a doença, nas cidades o Aedes aegypti, vetor da dengue, zika e chikungunya, é a espécie com potencial de transmissão do vírus.
Vale lembrar que os mosquitos silvestres têm predileção por sangue de macacos e o Aedes, pelo humano - essas preferências vem de milhões de anos de evolução e adaptação genética desses dois tipos de inseto.
De acordo com pesquisador Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz, será necessário fazer três tipos de investigação para determinar se o homem de São Bernardo do Campo foi infectado pelo mosquito Aedes aegypti:
- Mapear a rotina do paciente, para saber se ele passou por zonas onde existe a presença de mosquitos silvestres, de macacos ou de outras pessoas infectadas. É o que os infectologistas chamam de investigação epidemiológica.
- Detectar o momento exato de apresentação dos primeiros sintomas, para estimar o momento em que houve a contaminação pela picada do mosquito.
- Coletar e examinar mosquitos que habitam as áreas por onde o homem infectado passou, para verificar quais espécies apresentam o vírus - a chamada investigação "entomológica".
A partir dessas análises seria possível, segundo Lourenço, identificar se mosquitos silvestres ou urbanos infectaram o paciente.
Mosquito Sabethes
Image captionMosquitos silvestres têm capacidade muito maior de transmitir a febre amarela | Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz

O que seria necessário para um Aedes aegypti se infectar e transmitir febre amarela?

Segundo o pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, alguns fatores combinados precisam estar presentes para que o Aedes aegypti passe a transmitir febre amarela nas cidades.
Primeiro, seria preciso que uma pessoa infectada com alta concentração do vírus no sangue entrasse em uma área com grande infestação de Aedes aegypti. É importante lembrar que um mosquito não necessariamente é infectado ao picar uma pessoa doente, ou contrai uma quantidade suficiente do vírus para passá-lo adiante.
E, para que o vírus se propague a ponto de causar um surto urbano, os Aedes infectados por essa primeira pessoa teriam que estar próximos a populações humanas vulneráveis a ele, ou seja, que não tenham tomado a vacina.
Após ser picado, o ser humano só mantém o vírus em concentração suficiente para infectar mosquitos por dois ou três dias, diz Lourenço.
Uma pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz mediu a capacidade do Aedes aegypti de transmitir o vírus da febre amarela. Para realizar os testes, os pesquisadores coletaram ovos dos mosquitos nas cidades e em áreas de mata do Rio de Janeiro, Manaus e Goiânia. O estudo mostrou que ele é capaz de passar a doença, mas sua eficiência como vetor varia de acordo com a população de insetos.
Os Aedes aegypti do Rio de Janeiro apresentaram o maior potencial de disseminar a febre amarela, com 10% dos mosquitos apresentando partículas do vírus na saliva 14 dias após a alimentação por sangue infectado. Ou seja, pelo estudo, a cada 100 mosquitos que picassem uma pessoa infectada, 10 se contaminariam.
Daí a necessidade de vários fatores combinados para a disseminação em meio urbano, como quantidade suficiente de vírus no sangue do ser humano infectado e presença de muitos Aedes para picar esse ser humano e retransmitir a doença no meio urbano.
Ainda assim, a capacidade de transmissão do vírus pelos mosquitos urbanos verificada na pesquisa é considerada preocupante pelos pesquisadores.
"Os dados apontaram que os insetos fluminenses das espécies Aedes aegypti são altamente suscetíveis a linhagens virais no Brasil. A competência vetorial dos mosquitos Aedes também foi verificada em Manaus e, em menor grau, em Goiânia. O achado reforça a importância de medidas preventivas, como a vacinação e o controle do Aedes aegypti", diz Lourenço.
Os mosquitos silvestres têm capacidade muito maior de transmitir a febre amarela. Segundo o estudo do Instituto Oswaldo Cruz, o percentual de Haemagogus do Rio de Janeiro infectados chegou a 20%. Entre os Sabethes locais, esse percentual alcançou 31%.

Controle da população de Aedes é essencial

O professor Aloisio Falqueto, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), diz que a população de mosquito Aedes aegypti existente hoje no Brasil ainda é, por enquanto, considerada pequena para ser capaz de provocar uma epidemia de febre amarela urbana.
Segundo ele, em períodos de chuvas e calor- ambiente mais propício para proliferação de mosquitos -, a existência de focos de Aedes alcança até 5% das casas brasileiras. Na África, onde há epidemia de febre amarela urbana, esse percentual varia de 20% a 40%.
Inspeção contra foco de mosquito no Brasil
Image captionEm período de chuvas e calor, a existência de focos de Aedes alcança 5% das casas brasileiras | Foto: Erasmo Salomão/MS
"Se tivesse uma densidade grande de Aedes no Brasil, existiria a condição de disseminar a doença na cidade. Por enquanto, a densidade baixa do mosquito não permitiu que a doença se disseminasse."
Falqueto destaca, porém, que é preciso manter ações de combate ao mosquito para evitar que o risco de epidemia urbana aumente.
"No Brasil, raramente chegamos a ter 5% das casas com foco de Aedes. Mas esse já seria um nível crítico. A partir daí a gente teria que se preocupar com o vírus em transmissão urbana."
O Ministério da Saúde diz que é "baixa" essa possibilidade de transmissão. De acordo com a pasta, as ações de vigilância com captura de mosquitos urbanos e silvestres não encontraram, até o momento, presença do vírus no Aedes.
"Já há um programa nacionalmente estabelecido de controle do Aedes aegypti em função de outras arboviroses (dengue, zika, chikungunya), que consegue manter níveis de infestação abaixo daquilo que os estudos consideram necessário para sustentar uma transmissão urbana de febre amarela", disse a pasta, em nota.
"Além disso, há boas coberturas vacinais nas áreas de recomendação de vacina e uma vigilância muito sensível para detectar precocemente a circulação do vírus em novas áreas para adotar a vacinação oportunamente."
Mosquito Sabethes
Image captionPor enquanto, o Brasil só vem registrando casos de contaminação por mosquitos silvestres | Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocuz

Medidas de prevenção

Como o tamanho da população de Aedes aegypti determina o risco de contaminação por febre amarela, os pesquisadores ressaltam que é essencial a participação da população para prevenir o aumento do número de mosquitos nas cidades e nos quintais de casas perto de matas.
Homem sendo vacinadoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionVacinar populações em áreas de risco é essencial para evitar risco de contaminação urbana do Aedes aegypti, segundo especialistas
"Com esse numero de casos de febre amarela pipocando, se por alguma razão as densidades de Aedes aumentarem, o risco de febre amarela urbana aumentará de maneira assustadora", diz o médico infectologista Eduardo Massad, professor da Universidade de São Paulo (USP).
É preciso estar atento ao acúmulo de água parada em garrafas, pratos de plantas e outros objetos deixados em jardins e varandas, assim como fazer a manutenção de calhas e manter caixas d'água e outros depósitos vedados.
Os especialistas do Instituto Oswaldo Cruz também recomendam que o Brasil considere exigir a imunização de pessoas vindas de países que são alvo de febre amarela, sobretudo da África, onde há a doença em centros urbanos. O país já exige Certificado Internacional de Vacinação a pessoas vindas de Angola e da República Democrática do Congo.
Além disso, vacinar populações de áreas de risco é essencial para evitar a proliferação da doença, segundo os pesquisadores.
"Eliminar os criadouros e controlar a proliferação do Aedes aegypti é uma medida importante para evitar a reemergência da febre amarela urbana no Brasil, além da questão básica e já amplamente conhecida de ele ser também responsável pela transmissão dos vírus da dengue, zika e chikungunya", diz Dinair Couto Lima, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz e uma das autoras da pesquisa sobre mosquitos transmissores.
Professor Edgar Bom Jardim - PE